Um dos episódios mais caricatos,
mas bem sugestivo, a que foi dado assistir-se nos últimos tempos foi o do discurso punitivo sobre mitos – ‘mitos urbanos’ para lhes conferir um
toque de modernidade – por parte de um político... mitómano! Aconteceu primeiro
a propósito do incentivo à emigração dos jovens (piegas?) – agora, contra todas as evidências, nega que o tenha feito; repetiu-o logo a
seguir sobre o projecto de refundação do Estado à boleia do ‘memorando’ – para agora se refugiar no
enredado do texto tentando livrar-se do que então assim foi entendido… e não
desmentido.
De mitos se faz, é certo, a
realidade actual, mas não por via destas manhosas habilidades linguísticas de
um primeiro-ministro viciado na mitomania. Sem peso nem relevância bastantes
para justificarem grande perda de tempo com elas. Pois não foi certamente por
ter sugerido a emigração (como forma de reduzir a pressão do desemprego
descontrolado) que se assistiu nos últimos quatro anos ao maior fluxo
emigratório de que há memória, nele se integrando alguns dos jovens mais
qualificados de sempre. Se bem que esse discurso correspondesse a uma política
que foi posta em prática em nome de um projecto de sociedade claramente
definido, longamente preparado e impiedosamente prosseguido sem olhar aos
custos humanos provocados. E isso, sim, já merece tempo e outro tratamento.
Como, por exemplo, o mito do Euro, expresso no conceito de
que, à parte uma muito reduzida minoria radical, ninguém quer sair do Euro, pois isso corresponderia a um retrocesso
de consequências irreparáveis, pelo que tudo deverá ser feito para que tal
catástrofe não aconteça. Pouco importa que, pelo caminho e em nome desse mítico
desígnio, se destrua a frágil estrutura produtiva do País, se delapide a sua escassa
riqueza, se eliminem empregos e ocupações profissionais, se comprometa o
futuro, se desfaçam vidas e projectos de vida. Neste depressivo contexto, o
Euro assume-se como o essencial de um projecto em nome de um vago e distante
sonho europeu. O mais curioso é que, pela boca dos seus arautos, tal sonho só
terá realização na melhor das hipóteses daqui a vinte, trinta, quarenta anos…
Isto se a actual tendência de baixa das taxas de juro se mantiver para não
agravar demasiado uma dívida impagável! Ainda assim ele é apresentado como o
único projecto possível para Portugal. Para além dele sobra o caos e a miséria!
Por esta altura, porém, já poucas
dúvidas restam sobre a extinção, a prazo, do Euro. Deste Euro criado para
servir – não obstante todas as mitomanias com que o envolvem para o tornar
aceitável – de instrumento à implantação/imposição de um projecto político cujo
objectivo último é, confessadamente, a supremacia
da liberdade dos mercados sobre a vontade
democrática dos povos. Se acontecer, como é provável, a expulsão da Grécia
da zona Euro, pelo menos o Euro que se conhece acabou! A ilusão grega de que lhe
seria permitido colocar a cabeça fora da austeridade imposta que a sufocava e
assim retomar algum fôlego que lhe consentisse vir a cumprir as
responsabilidades externas legitimamente contraídas, foi esmagada por uma
coligação de poderes apostada, contra todas as veleidades e alternativas, em
demonstrar a absoluta prioridade política daquele projecto. E é por isso que dificilmente
se admite qualquer outro cenário para a Grécia.
Um eventual volte-face
representaria, para além de um enorme revés e uma demonstração de fragilidade
desse projecto, um perigoso e inadmissível precedente. Mais do que improvável (se
se considerar a pequeníssima margem permitida ainda à política), do que aqui se
trata é mesmo de uma impossibilidade, pois a lógica das forças do mercado assim
o determina. Qualquer alteração introduzida no actual processo de globalização
dos mercados contrária à lógica liberalizante que o domina ameaçaria abanar e fazer
ruir o edifício até agora construído pelo risco de propagação e contaminação
daí resultante. A menos que a consciência do instinto suicidário do sistema
permita ainda, contra todas as expectativas, inverter uma situação que,
descontrolada, ameaça precipitar a sua derrocada. Como, aliás, já aconteceu no
passado ainda que tal só haja ocorrido após verdadeiras hecatombes – aquando da
Grande Depressão, na sequência da II Guerra Mundial… Afinal talvez se não
esteja hoje assim tão longe de uma situação extrema como essas!
Enquanto isso, os mitómanos da
política insistem e persistem nos ‘velhos
mitos’ do mercado que sustentam a ideologia neoliberal numa autêntica fuga
em frente, com a maioria dos políticos e a generalidade dos ‘média’ afinados a
uma só voz (só assim é possível manter uma imagem 'credível'!): que a saída do Euro
será, pois, a catástrofe – a chantagem do medo parece colher resultados, pelo
menos até agora; que só a gestão privada é eficaz e capaz de
criar riqueza – daí esta fúria privatizadora; que a competitividade externa é
vital para o País – descarada forma de legalizar o ‘dumping’ fiscal entre
países; que a segurança social não é sustentável por razões demográficas – logo
de imediato, com a alternativa do modelo de capitalização, a mão estendida aos
Fundos de Pensões;… E tal como a coligação neoliberal no poder pretendeu ‘vender’
o milagre da austeridade criativa – com
o desastre social e económico conhecido – o contraponto do PS, hoje (a única alternativa 'credível',dizem), parece
basear-se noutro milagre, desta feita o de um crescimento
económico salvador – sem qualquer garantia, pois, de que possa mesmo acontecer!
Os mercados não dormem, diz-se, mas são muito imperfeitos, como é bem
sabido. E, importa acrescentar, limitados,
no tempo e no modo da sua actuação.