De tão repetida a frase parece
ecoar apenas como slogan já muito desvalorizado, mas o certo é que conserva
todo o sentido. Agora, pelos vistos, mais que nunca. Com a crise construída bem
à medida dos interesses de uns poucos,
acentuaram-se de forma gritante as diferenças entre estes e os milhões da frase. Como na Banca, sector sempre paradigmático
dessas diferenças. Um jornal especializado da área económica acaba de se
referir às remunerações dos gestores bancários e os valores expostos, ainda que
dentro do já habitual, não deixam de chocar, sobretudo pelo confronto com os
auferidos pelo comum das pessoas em tempo de crise. Destaca os de dois deles,
Santander e Montepio, como os mais bem remunerados, mesmo que o segundo viva
numa crise que o pode precipitar no abismo em que outros já caíram (BPN, BPP,
BES…). Ainda assim as remunerações auferidas pelos respectivos gestores não
diferem substancialmente (excluídos os prémios de gestão).
Mas o que verdadeiramente aqui
importa destacar, em abono do sugerido no título deste comentário, é o modo
como os valores que justificam essas remunerações se constituem, por forma a
chegarem ao bolso de uns poucos,
deixando milhões na penúria. E a
fórmula é simples, insere-se numa tendência universal comum a todos os sectores
económicos (não é, pois, específica da Banca) e tem na base um propósito
aparentemente virtuoso e pomposamente proclamado como vital à sobrevivência de
cada empresa considerada individualmente, a melhoria da sua produtividade. Só que, invariavelmente, essa
melhoria é conseguida à custa da redução do emprego e do despedimento de
dezenas, centenas, por vezes milhares (dependendo da dimensão da empresa) de
trabalhadores, o que, não obstante a ‘almofada’ dos esquemas de apoio (cortesia
do vituperado Estado Social) proporcionados pelos países ricos, reduz
drasticamente o nível de vida de quantos se vêm postos nessa situação.
Pouco importa se por trás dessa
redução do emprego se encontra a modernização tecnológica da empresa (o que nem
sempre acontece, valha a verdade), pois trata-se de um outro debate tantas e
tantas vezes já aqui trazido (v.g., aqui, aqui ou aqui). Mas o que está agora
em causa é a fórmula de distribuição dos proveitos alcançados com a redução de
custos que tal política implica. O fundamento para tão elevadas remunerações
dos gestores de topo, como os financeiros, é atribuído ao peso que estes supostamente
têm na obtenção de crescentes níveis de rentabilidade
(na base da repetitiva lengalenga: para além do ‘valor criado para o accionista’, como gostam de enfatizar, o
pretexto é a produtividade assim obtida e, deste modo, o reforço da competitividade para salvaguarda da sobrevivência
da empresa), onde a redução de
custos é uma variável essencial. Contudo, essa justificação é falsa – a fixação desses elevados
níveis de remuneração assenta mais no controlo do poder político pelo financismo neoliberal do que num
hipotético aumento da produtividade – ou, no mínimo, totalmente desproporcionada – não há ‘peso’
que justifique tamanha amplitude remuneratória. Depois e não menos relevante, a
maior parcela na redução de custos é obtida pela diminuição de pessoas e
consequente destruição de postos de
trabalho (a expectativa da teoria, adiante-se, é virem a prosperar noutro
sector qualquer ou, na ausência de oportunidades de emprego, surgirem da
ousadia individual no lançamento de actividades por conta própria
através do, como agora se diz, empreendedorismo).
O que enche os bolsos de alguns é, pois, o facto de milhões se
verem de repente sem actividade (as mais das vezes em idades de impossível
regresso ao ‘mercado do trabalho’), obrigados, as mais das vezes a recorrer a
expedientes e habilidades várias, amiúde no âmbito das muitas economias
paralelas, quase sempre nos limites da dignidade humana. Enquanto isso, florescem
as fortunas de alguns forjadas sobre
as ruínas de vidas destruídas e da dignidade espezinhada. Continua a assistir-se
ao obsceno desfile periódico dos milhões de lucros gerados nesta ou naquela empresa,
auferidos por esta ou aquela personalidade, que os sempre serviçais ‘media’ se
apressam a destacar e em quem veneram o reconhecido charme e prestam a vénia
devida pelo sucesso, sabendo de antemão, mas raro o explicitando, que tais
milhões têm em regra como destino a optimização fiscal no recato e na segurança
dos paraísos financeiros só acessíveis aos que conseguem entrar no exclusivo
círculo de beneficiários de um sistema cada vez mais desigual.
Esta tendência do sistema para
a concentração da riqueza nas mãos
de uns poucos pode ser contrariada durante
curtos lapsos de tempo, mas ela volta sempre a impor-se historicamente. É bom
recordar que, ao longo dos 30 gloriosos anos do pós-guerra, dominados por
políticas económicas de pendor keynesiano, o leque salarial na maior parte dos
países desenvolvidos não ia além de seis/sete vezes a remuneração média. O
actual domínio neoliberal expandiu-o, de forma deliberada, observando-se mesmo
(Vicenç Navarro) que “os cem
dirigentes empresariais mais bem pagos naqueles países passaram de receber 20
vezes o rendimento médio do trabalhador nos anos oitenta, para 60 vezes em 1998
e 160 vezes em 2012”! Não por acaso, certamente, alguns dos mais assanhados
defensores da teoria neoliberal apodam Keynes de estatista e até perigoso marxista,
por defender, na sua teoria macroeconómica, um equilíbrio baseado na redução
das desigualdades. Este é, aliás – não por acaso – o debate que domina
a actualidade política, económica, social e até académica (O Capital no Séc.
XXI, de T. Piketty). Mais uma vez
Marx, hoje e sempre, no centro dos debates de natureza económica, social e
política!
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