terça-feira, 14 de julho de 2015

Perplexidade e… expectativas! Certezas? Poucas, por enquanto

A palavra que melhor exprime a reacção ao (imprevisto? frustrante? inevitável?) resultado das negociações em torno da crise grega é perplexidade. Depois de cinco longos e desgastantes meses a negociar e de uma retumbante resposta do povo grego ao referendo convocado precisamente para, assim era entendido, ultrapassar o impasse a que se chegara, afirmando um orgulhoso OXI/NÃO, o resultado menos esperado – ainda que possível e até mais que provável – era a quase rendição total ao ‘diktat’ germânico e dos seus acólitos. Bem entendido, ‘menos esperado’ pelos que alimentavam ilusões na força da democracia expressa no referendo, por todos quantos persistiam na resistência à submissão e na mudança do rumo político. Ao invés, esperado e ansiosamente desejado pelos que apostavam na derrota – e na humilhação! – do intrometido e muito odiado desafiador da normalidade neoliberal e dos riscos de contágio de qualquer alternativa ao poder instituído.

É ainda cedo para uma avaliação global dos acordos firmados, pois muito pouco se sabe de concreto do que foi ajustado. Certo, para já, é que Tsipras evitou o ‘Grexit’! – contrariando assim o objectivo explícito de Schauble & Cª. que apostavam tudo na ‘purificação’ da Zona Euro com a saída da Grécia. À custa de quê? Desde logo sujeitando-se à enorme humilhação de aceitar aquilo que os gregos em referendo haviam corajosamente recusado há uma semana apenas: aparentemente quase todas as linhas vermelhas que o Governo grego afirmara não poder ultrapassar foram ignoradas com a cedência às irrealistas (e irrealizáveis, o tempo irá confirmá-lo) imposições dos credores a que foi obrigado sob estado de absoluta necessidade.

É certo, ainda, que o novo resgate inclui, em contrapartidas, uma quota significativa dos fundos disponibilizados destinada ao relançamento da economia (nunca antes admitido neste tipo de programas), mas ainda sem definição precisa das modalidades que as vão concretizar. E uma vaga promessa de reestruturação da dívida lá mais para diante… Certo, também, é que terá sido salvo, no limite, um sistema financeiro à beira do colapso e, aparentemente, sem hipótese de recurso a um ‘plano B’ que lhe permitisse uma transição indolor para um novo regime. E talvez se encontre aqui a chave de toda esta negociação (ou chantagem negocial?), pois os efeitos do colapso financeiro, a verificar-se, seriam arrasadores em todas as áreas da sociedade grega.

Realisticamente, pois, este ‘3º resgate grego’ encontra-se, por enquanto, envolto num mundo de expectativas. Para além das que decorrem da falta de conhecimento exacto do que consta dos documentos acordados e dos seus posteriores desenvolvimentos concretos (a esclarecer, porventura, nos próximos dias), importa sobretudo referir as que se prendem com as leis de chumbo da realidade. Tanto as que actuam por via da acção consciente e controlada dos homens (através de uma estratégia planeada), quanto as que se impõem pela própria natureza das coisas (em última análise, é a História que se encarrega de as validar).

Pode admitir-se – os antecedentes destes seis meses de luta desgastante por parte da liderança do Syriza reforçam essa tese – que se tratou de um recuo táctico, perante uma situação que se apresentava insuportável, com o Governo grego emparedado entre a inflexível imposição dos credores e a desesperante condição do sistema financeiro da Grécia, prestes a colapsar e que urgia evitar sob pena de danos irreparáveis para toda a sociedade. Tratar-se-ia, deste ponto de vista, de dar um passo atrás, sem que isso represente abdicar da estratégia estabelecida pelo Syriza, na expectativa de, recuperada a ‘normalidade’ financeira, voltar aos objectivos essenciais da luta social e política que o identifica. Os próximos meses ditarão se foi assim ou se, como se tem ouvido com mais frequência, tudo não passou de uma traição à vontade do povo expressa no referendo.

Entretanto, mesmo que nada fora do previsto aconteça (queda do Governo, eleições antecipadas, até uma acção dos militares…), a evolução da realidade pura e dura, a nível europeu e mundial, encarregar-se-á, a breve prazo, de pôr à prova a viabilidade das medidas agora acordadas, pelo que o balanço global da longa noite negocial está longe de poder ser feito, parecendo prematuros os estados de alma aí revelados indo do esmagador triunfalismo à mais profunda depressão. Restam, pois, as expectativas empenhadas. No espaço europeu, em especial, será interessante acompanhar dois domínios que têm vindo a concitar estranha unanimidade (estranha porque junta todos os quadrantes ideológicos no diagnóstico, sem que daí resulte o efeito prático ditado pela lógica): por um lado, considera-se inevitável a urgente reestruturação das designadas dívidas soberanas dado os níveis atingidos, tidos como impagáveis (da Grécia e das demais); por outro, face ao que se caracteriza como Euro disfuncional, reputa-se imprescindível proceder à reconfiguração da política comunitária nas áreas monetária, orçamental e fiscal, de modo a ajustá-la à divergência económica dos países que a integram (sob pena de desintegração).

Mas o grande mérito do processo grego (todo ele um instrutivo manual político, em permanente actualização) foi demonstrar como este Euro torna inútil o recurso aos mecanismos democráticos como forma de decisão social. Uma outra certeza se consolida então: ao excluir a divergência (económica, política…), o Euro é incompatível com a democracia! É incompatível até com a ideia e a prática de uma União Europeia, solidária e… democrática. O contexto neoliberal de domínio do mercado nunca o permitirá.

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