Foi manifesto o desconforto da
maioria dos líderes mundiais, em especial os europeus, perante os resultados do
referendo na Grécia. O inesperado e avassalador ‘NÃO’ dos gregos à austeridade
determinou de imediato a subida de nível na escalada do confronto que as
Instituições e os Governos Europeus haviam assumido logo que o Syriza ganhou,
em Janeiro passado, as eleições na Grécia. A afronta e sobretudo o risco
de contágio da rebeldia grega perante o que até então era a normalidade
ditada pelas regras da ortodoxia neoliberal, imposta pelo directório
franco-germânico (na prático, só germânico), ditou uma estratégia de desgaste
da nova liderança grega ao longo deste quase meio ano do seu exercício que
esperavam tivesse resultados no referendo entretanto convocado, sublinhe-se, à
sua revelia – pois os riscos da democracia, de acordo com o principal guru da
Escola, M. Friedman, natsão de evitar! Que culminou agora, contra as suas
expectativas, com a suprema afronta do rotundo NÃO à austeridade por parte do ingrato
eleitorado grego!
Sintomático foi ver que as
primeiras e mais agressivas reacções aos resultados surgiram da ala
social-democrata alinhada com a ortodoxia neoliberal em nome das instituições a
que presidem: o social-democrata alemão Schulz (presidente do Parlamento
Europeu), o trabalhista holandês Dijsselbloem
(presidente do Eurogrupo) e o líder social-democrata alemão Sigmar Gabriel
(vice-chanceler de Merkel), foram pressurosos e os mais assanhados nas críticas
à decisão soberana dos gregos. ‘Lamentável’ terá sido até o epíteto menos
ofensivo para caracterizar o estado de alma da liderança europeia, pronunciado
pelo moço de recados de Merkel/Schauble, o impronunciável Dijsselbloem. Mesmo os socialistas franceses, que
ganharam as eleições prometendo acabar com a austeridade que já então sufocava
a Europa (e a democracia) e acabaram a fazer o seu contrário, não obstante o
evidente incómodo perante tais resultados, rapidamente passaram a alinhar pelos
mandantes de Berlim. Como seguramente fará o PS português se (ou quando) ganhar
as eleições.
Não
foi certamente por acaso que todas estas reacções partiram, em primeira mão,
dos principais líderes da social-democracia europeia. Afinal eles lutam pela sobrevivência
política - acossados, imagine-se, pela esquerda radical! Para os que ainda alimentavam dúvidas ou ilusões, começa agora a
perceber-se bem que a social-democracia não representa um projecto autónomo do
modelo neoliberal e que se tornou irrelevante como falsa alternativa na
política actual. Pior ainda, percebe-se finalmente que apenas tem servido de
suporte à ascensão de um modelo de sociedade cujo desenvolvimento lógico,
assente nas regras do livre mercado (pela via da gradual desregulação de que
falam gulosamente os seus epígonos), conduz à inevitável imposição da lei da
selva nas relações sociais. Mascarada ou não pelos formalismos de uma
democracia sem conteúdo, porque sem direitos políticos reais – estes são, na
prática, um exclusivo dos detentores do poder económico, num regresso às
arrecuas ao ‘voto censitário’ dos primórdios do liberalismo (político e
económico).
… à última oportunidade da democracia
E eis-nos,
então, chegados à prova real proporcionada pelas negociações em curso em torno
desta arrastada (propositadamente) crise grega pós-referendo: para uns (instituições
europeias, em nome dos credores) esta é a última oportunidade que a Grécia tem
de, submetendo-se às regras da austeridade, se manter integrada na UE da normalidade
liberal; para alguns, poucos e cada vez menos, a resistência grega, legitimada
pelos assombrosos resultados do referendo, pode traduzir-se ainda na última oportunidade dada à democracia. Muito
para além de todas as cogitações de ordem económica (à cabeça, a salvação do
Euro), geoestratégicas (NATO vs. Rússia; porta de entrada na Europa de fluxos imigratórios
ilegais) ou até idiossincrasias culturais, que insistentemente perpassam nos ‘media’, importa sobretudo apurar qual
o valor actual da democracia.
Ver-se-á
até onde resiste a falácia dos argumentos utilizados para desvalorizar o
resultado do referendo grego do passado domingo – como o dos restantes países
do Euro serem tão democráticos quanto a Grécia (mas os gregos não querem
interferir na vida interna desses países…); ou o de quando se entra num Club se
aceitarem as suas regras (hoje é unânime que, no ‘Club do Euro’, a moeda única é disfuncional e o Tratado Orçamental impraticável…).
No caso provável da posição grega não
vingar – o que acontecerá se tiver de aceitar mais austeridade ou for obrigada
a sair do Euro – ficará feita a demonstração da inutilidade da consulta
popular através do voto. E perante o fecho das vias democráticas na defesa
dos interesses das pessoas, restar-lhes-á ou
a submissão
aos designados poderes fáticos da sociedade – os famigerados mercados
– ou a alternativa do recurso à
via revolucionária.
Qual destes cenários a Europa institucional e normalizada estará a ponderar?
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