I - Tanto Euro para tão pouca
democracia!
Pouco a pouco vai-se aproximando
a hora das opções decisivas. Não tardará muito elas irão impor-se na Grécia e,
por inevitável arrasto, estender-se-ão aos restantes países europeus. Desde
logo aos que ainda este ano se terão de confrontar com eleições e onde, na
sequência do que já ocorreu na Grécia, podem emergir alternativas para além das
tradicionais alternâncias. Que arriscam vir a baralhar os habituais remansosos
jogos de poder pois não deixarão de questionar (ou incomodar?) as opções
individuais que cada um irá ser chamado a tomar. E é sobretudo destas que
importa falar então, em nome do urgente resgaste do bem-estar extorquido, dos
direitos ameaçados, do aumento das desigualdades, da dignidade ofendida…
O essencial do debate irá
centrar-se seguramente em torno da austeridade responsável por tamanha
regressão histórica – em nome da intransigente defesa do Euro! Na melhor das
hipóteses a abordagem poderá ir ao ponto de questionar a própria razão de ser
da austeridade em período de recessão, mas na maioria das vezes a discussão não
irá sequer além da dosagem certa a aplicar: a austeridade não é questionável, ela
torna-se mesmo inevitável perante um nível tão elevado da dívida, apenas
importa saber em que medida ela é suportável para permitir criar as condições para
a sua liquidação. Pouco importa avaliar a forma como esse montante foi
originado, quem afinal lucrou com ela e a provocou. Falar de ‘auditorias à
dívida’ neste contexto pouco ou nenhum sentido fará. E, no entanto, a
austeridade no centro do debate foi apenas o meio encontrado ou a justificação
para se aplicar uma política centrada, isso sim, na brutal transferência de
recursos do trabalho para o capital, sob múltiplas formas e pretextos. A
desvalorização da política e a tentativa de a substituir pela técnica – bem
apoiada por reverentes e pressurosos ‘media’ de serviço – completam esta
operação de reorganização social neoliberal.
Ora, para quem na Europa a
aprendizagem forçada dos últimos anos não fora bastante para o evidenciar, a
experiência grega dos dois meses de governação da actual coligação liderada
pelo Syriza tornou bem claro o dilema que resume a opção essencial em confronto:
se a austeridade por trás dessa brutal transferência de recursos é o suporte
político natural deste Euro, então a única alternativa que resta à democracia
passa por se ponderar seriamente a saída dele em momento oportuno. Esta é a
conclusão a partir da qual será possível construir uma plataforma de entendimentos
para o futuro sem equívocos ou ilusórias expectativas. Talvez a mesma que
permitiu ao Syriza, percebe-se melhor agora, coligar-se com um partido de
centro-direita, mas firme na oposição a esta austeridade e disposto a sair do
Euro se a tal for obrigado. O que de algum modo antecipa já os desenvolvimentos
imediatos deste processo.
Pressentia-se, com a vitória do
Syriza na Grécia, que muita coisa na política europeia (e nas políticas dos
respectivos países) iria ser posta à prova. Desde logo o confronto da autonomia
democrática de cada país com a cada vez mais assumida hegemonia alemã, a pretexto
do Euro, e o papel de crescente subserviência das instituições europeias, a
começar pela Comissão, perante tal poder. Da permanente chantagem exercida pelo
BCE sobre as finanças gregas, à uniformidade de posições adoptada pelos países
comunitários (mesmo que aqui ou ali, fora dos centros de decisão, um ou outro
possa emitir alguma nota dissonante de apoio ao governo grego), obedientemente
perfilados perante o Kaiser alemão – de momento a guarda avançada da ofensiva
neoliberal – tudo parece conjugar-se para provar a impossibilidade de, no
actual contexto político de subordinação ao Euro, poder vingar alguma autonomia
neste unanimismo, imposto ou assumido, de pendor germânico. Que, afinal, de nada
valem posições políticas voluntaristas, por mais democráticas e bem-intencionadas,
perante o ‘diktat’ dos poderes instituídos, normalmente travestido de imposições
técnicas, versão actualizada do TINA de Tatcher.
Esta aparente conformidade
política de posições com origens tão díspares e interesses tão divergentes é apontada
como normal e até inevitável face aos compromissos assumidos perante as
instituições comunitárias. O edifício institucional desta UE assume-se, pois,
como ‘apenas’ mais uma peça de uma vasta operação – reafirme-se sempre –
minuciosamente elaborada ao longo das últimas décadas, tendente à implantação
das ideias e práticas liberais, resultando na actual globalização capitalista. A
orientação ideológica neoliberal, laboriosamente tratada em sociedades (quase)
secretas ou em selectas academias universitárias (da Societé Mont-Pelerin à
Escola de Chicago…), tem a sua expressão prática na condução política promovida
por múltiplas organizações privadas supranacionais (do Consenso de Washington
ao Club Bilderberg ou à Comissão Trilateral…) e, a nível interno de cada país,
por uma miríade de partidos que vão dos assumidamente liberais aos
social-democratas e socialistas, acusados de capitularem perante o avassalador
poder liberal.
Tudo isto devidamente
‘condimentado e bem oleado’ por uma comunicação social bem atrelada, cumprindo
a função de justificação perante uma opinião pública que se pretende avessa à
política (e com horror aos políticos!) e arredada da cidadania, presa na versão
tecnocrata do indiscutível ‘não há alternativa’! De fora apenas as franjas
marginais da política, os partidos ditos de protesto, tolerados pelo sistema e assim
designados para surgirem perante a tal opinião pública como incapazes de
governar, ao mesmo tempo que desse modo cumprem, na sua óptica, o papel de
enquadramento legal das tensões sociais que melhor legitima os seus
actos.
(...)
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