Se os paladinos da teoria
neoliberal, na sua cruzada evangelizadora, buscassem argu-mentos ou uma justificação (ou até, porventura, uma sub-reptícia forma de diversão)
para mais fácil acomodação da sua política junto da opinião pública,
decerto não teriam conseguido encontrar melhor fundamento para aí estribarem os
seus intentos que os dois casos judiciais mediaticamente dominantes na actualidade
lusa. E logo nas duas áreas que mais exemplarmente lhes importa ‘trabalhar’
para conseguirem impor a sua doutrina aos mais incrédulos e infiéis: nos negócios,
para demonstrarem como a regulação do
mercado funciona; na política, arguindo contra o poder e a dimensão do Estado, tido como
o principal foco da corrupção e do mau funcionamento de toda a organização
social.
Pode ser que o caso BES e o caso
Sócrates tenham eclodido, quase em simultâneo, sem interferências ou quaisquer
artimanhas por parte do Governo e dos seus ‘apparatchiks’, mas parecem dois
casos talhados bem à medida, vieram mesmo a calhar para a demonstração – em que
afanosamente se empenham – de que o problema não está nas políticas prosseguidas,
antes no comportamento desviado de alguns indivíduos. Essencial, mesmo, é que a
política se mantenha e possa alcançar os objectivos que se propôs: impor a regulação pelo mercado tão livre de
constrangimentos quanto a pressão social lho permita – o que implica reduzir as funções do Estado à
repressão, à justiça e à… caridadezinha!
Pode ser então que seja apenas
mera coincidência estes dois casos terem surgido precisamente no momento de
maior fragilidade da teoria, no termo da aplicação das políticas da austeridade
e do comprovado fracasso das mesmas, com nenhum dos objectivos propostos alcançado.
Do próprio descrédito das privatizações, cujo produto era suposto servir para
abater à dívida, mas que se conclui, não obstante o seu montante global (mais de
8mM€) ultrapassar em muito o objectivo estipulado no famigerado
memorando da ‘troika’ (cerca de 5mM€ até ao final do programa), não dar
sequer para pagar os juros relativos a um ano da mesma, muito menos amortizar o
que quer que seja!
Sobretudo depois de se saber que
a solução encontrada para o BES, fruto de mais um experimentalismo extemporâneo
em detrimento de outras bem mais sólidas e de efeitos testados, corre o risco
de se transformar num imbróglio jurídico e num imenso problema financeiro. Ou
de se perceber que o caso Sócrates nasceu sem suporte consistente e – contra toda
a técnica jurídica e até contrário à mais elementar justiça – a prova tem vindo a ser
construída com base numa investigação serôdia de duvidosa imparcialidade como
se impõe de uma justiça que se crê e pretende cega (até agora todas as provas
divulgadas se resumem a suspeitas – a última terá sido a suspeita da criação de uma empresa
fantasma em Londres… –, crenças – os investigadores acreditam que… –, indícios, presunções…).
Na prática pouco importa se o
lançamento destes factos foi preparado ou se se tratou apenas do seu oportuno
aproveitamento – desde que, por um lado
a repressão e a justiça cumpram zelosamente o respectivo papel, por outro uma prestável comunicação
social se encarregue, através da montagem de degradantes espectáculos
mediáticos, de alimentar a reacção emocional das pessoas submetidas a anos a
fio de severa austeridade, de corresponder à ansiedade da inquieta turba (que
tanto desprezam!), compreensivelmente sedenta por encontrar responsáveis para a
sua enorme insatisfação. A personalização da culpa permite, é certo, desviar todo
o odioso provocado pelo descalabro económico e social das políticas por ele responsáveis
para os seus conjunturais intérpretes (não se isentando estes minimamente da
respectiva culpa, bem entendido).
A tensão acumulada por anos de
expiação de culpas alheias ameaça, contudo, tornar-se insuportável. Sobretudo
quando no horizonte se perfilam desafios inadiáveis que convocam opções e decisões
de desfecho imprevisível. À cabeça, claro, o peso sufocante da dívida, por agora a beneficiar de um período de
excepcional baixa de juros, mas que a todo o momento pode vir a alterar-se (a
evolução das economias tornou-se ainda mais instável com a queda abrupta do
preço do petróleo – que, mesmo para uma economia importadora da matéria prima,
como a portuguesa, não traz apenas aspectos positivos). E a imponderabilidade
das eleições na Grécia, Espanha, Portugal... E a equação dos arranjos eleitorais, com a múmia de Belém e a mentira de S.
Bento em fundo! E a constante incerteza em torno do Euro…
Decididamente 2015
promete ser um ano interessante!