terça-feira, 29 de julho de 2014

As ‘falhas de regulação’ no BES e a queda da natalidade

Aparentemente, os dois temas em título nada têm em comum – para além, claro, de haverem coincidido no tempo e terem sido (e continuarem a ser) objecto de aturadas análises e pertinentes explicações dos habituais comentadores de tudo e de nada. Dir-se-ia, pois, apenas fruto do acaso e sem qualquer conexão, a associação aqui apresentada, mas que ele há coincidências bem significativas, há.

Depois da dramática ‘experiência BPN’ e da longa inquirição parlamentar a que deu lugar – em que surpreendentemente a direita pretendeu atribuir à supervisão (BP de Vítor Constâncio) a maior responsabilidade na trama montada pela clique cavaquista que dominava o Banco – esperar-se-ia então que, corrigidas as falhas de regulação detectadas, agora sob controle político da direita disciplinadora, casos idênticos não voltassem a repetir-se. Não obstante todos os avisos e precauções, surge precisamente agora o BES que, só em dimensão do negócio bancário, representa mais de cinco BPN’s! Num ápice, os até agora mais competentes gestores, eticamente irrepreensíveis, pilares firmes de uma propalada dinâmica empresarial, a base sólida em que era suposto assentar a reconstrução da economia nacional, passaram a suspeitos de graves crimes contra a... economia nacional!

O actual Governador do BP (Carlos Costa), chamado a depor no Parlamento, enumerou uma bateria de filtros, auditorias, inspecções e demais intervenções que, a julgar apenas pelo seu enunciado, dir-se-ia ser impossível qualquer fuga às regras estabelecidas. Acresce ainda o escrutínio rigoroso (era assim designado!) efectuado pelos exigentes auditores da ‘troika’ em 11 avaliações sucessivas (também) ao sistema bancário. Bastou, contudo, uma denúncia – como no BPN – para tudo se precipitar! Não foi, pois, o ‘normal’ exercício do regulador (através da função de supervisão) que detectou o problema e as alegadas fraudes que vinham sendo cometidas a coberto da criatividade permitida no negócio bancário.

Surpreendidos (ou não) pela dimensão da fraude, de imediato os responsáveis políticos (bem acolitados e protegidos pelos comentadores habituais) apressaram-se a separar a actividade do Banco dos negócios da família: o problema está, dizem, no GES/grupo familiar e não no BES/Banco! Este, garantem (?), está bem e recomenda-se! Contudo, todos os dias novos factos acrescentam mais preocupação à propalada estabilidade do Banco, a procissão parece ainda só ir no adro. E o que fica, para já, depois de tudo analisado e conferido, é que, mesmo com toda a regulação bem afinada – e executada por pessoas acima de qualquer suspeita (ao contrário do que parecia ter acontecido aquando do BPN!) – afinal é possível passar nas malhas regulatórias! Como? Através de redes societárias tão complexas quanto legais (e mesmo racionais, a isso obriga a eficiência fiscal – lembram-se?), permitiu-se todas as habilidades jurídicas, pelo que se torna impossível – é esse o objectivo! – evitar ‘fugas’ deliberadas, estejam dentro ou fora da lei, a fronteira é quase imperceptível. Porque a regulação bancária, em especial, está convenientemente impedida de ultrapassar os limites do que se designa por ‘perímetro de supervisão’!

Enquanto decorria a revelação da fraude em torno do Espírito Santo, eram divulgadas as conclusões de um relatório sobre a natalidade em Portugal (encomendado pelo PSD), com proposta de medidas para resolver o problema demográfico que a queda das taxas prenuncia. Ora, numa altura em que todos os dias ocorre o fecho de empresas, se reduz pessoal nas que resistem (em nome da ‘racional’ eficiência empresarial), se promove a exclusão de tantos em nome do exclusivismo de uns poucos, milhares de pessoas emigram por falta de ocupação,... escasseiam as condições para um planeamento familiar adequado à indispensável renovação demográfica das sociedades. E se aqui reside a origem da falência de quaisquer medidas tendentes a repor o equilíbrio demográfico, importa neste contexto referir ainda o desajuste, cada vez mais apercebido por todos, entre a tendência para a redução do número de empregos e o aumento dos ritmos e dos tempos de trabalho para os que permanecem nas empresas – apesar do crescente exército de reserva laboral! O enorme desperdício de capacidades que implica a exclusão de tanta gente da actividade produtiva (boa parte qualificada), bem como a falta de motivação e insatisfação sentidas pela grande maioria das que têm uma ocupação (causa de tantos distúrbios psíquicos e sociais), são bem o sintoma de que alguma coisa vai mal na organização social que tal permite. De que alguma coisa irá ter de mudar!

Tanto a desregulação financeira que permite a fraude no BES, quanto a (des)organização empresarial (ou laboral) que conduz ao desequilíbrio demográfico, são a essência de um sistema que se mostra cada vez mais inepto perante as necessidades reais das pessoas. E quando se percebe que não há regulação capaz de resistir ao apetite predador dos interesses privados ou que uma natalidade sustentável só será possível num ambiente económico que garanta condições estáveis de subsistência, então a única alternativa decente passa pela alteração radical da organização social vigente, indo da nacionalização da Banca (o descalabro é tal que até insuspeitas figuras do ‘regime’ o admitem já!) à reorganização do tempo de trabalho – pois a isso obriga a evolução tecnológica e o aumento da produtividade – com vista ao melhor aproveitamento das capacidades de todas as pessoas. Sem exclusões nem exclusivismos!

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