Nunca como hoje a imagem da política se viu tão
desacreditada perante a opinião pública, pareceu concitar tanta unanimidade em
torno da responsabilidade pelo que de nefasto acontece, no País e no Mundo. É
aos agentes políticos que, em primeiro lugar se atribui a génese, a dimensão e
os efeitos mais perversos da crise actual (financeira primeiro, social e global
por fim), mas também as causas da corrupção instituída, a criminalidade não
controlada (e, de um modo geral, a insegurança sentida pelas pessoas), as
injustiças toleradas, a pobreza endémica instalada.
Há, de algum modo, fundamento
para esta percepção generalizada, para esta aversão aos políticos, mas ela
ocorre pela demissão/subversão da política, com a sua total subjugação
ao poder económico, tanto ao nível dos interesses dominantes como até
(porventura sobretudo) dos propósitos que a regem. Desde logo, o objectivo
primeiro da política actual centra-se em favorecer um ambiente propício à
criação de riqueza – em lugar de gerir, como lhe competia e de acordo com as
regras democráticas, o bem comum aferido pelos interesses concretos da maioria.
A subversão acontece quando a mercantilização invade a política, quando se substituem
as regras democráticas pelas regras de mercado (pois na opinião dos seus
epígonos, só estas garantem isenção e neutralidade na decisão sobre as
diferentes opções a tomar!!!). O objectivo expresso é que toda a organização
social passe a ser gerida com base nas regras de mercado, substituindo-se,
deste modo, a política pela técnica.
Não será demais repetir que o
essencial da estratégia do mercado – modernamente vertida na ideologia
neoliberal – e dos interesses que nele se acoitam e dele se servem,
passa por substituir a política (baseada em princípios e valores) pela
técnica (supostamente neutra e isenta), a regra da democracia pelo poder
do mercado. O discurso do ‘inevitável’ ou do ‘não há alternativa’
tem a sua origem e suporte nessa suposta base técnica de que o mercado se
reclama. As soluções que propugna deixariam de constituir opções políticas
para se afirmarem como tecnicamente inevitáveis!
Longe de tratar-se de mera abstracção teórica, o
comando do mercado sobre a democracia – que, diga-se, ninguém se atreve a
defender em público! – encontra tradução prática constante no quotidiano das
pessoas. As negociatas à volta das privatizações do que ainda resta e, a
nível individual, a total impunidade nos cortes dos salários e pensões,
com reduções indiscriminadas, continuadas e nunca explicadas, cria a sensação
nas pessoas (na maioria delas, claro) de que nada está seguro, o processo de
espoliação não tem limites, a corrupção está institucionalizada e tem um rosto,
a política (o que se explica, convém referi-lo, pela promiscuidade
percepcionada entre os políticos e os negócios).
São precisamente as regras de
mercado que introduzem nas relações democráticas o vírus da corrupção,
ao sancionarem o poder do mais forte (do mais habilidoso, do mais
esperto, do mais astuto,...) sobre o mais fraco. Ao contrário do que a
legião de apparatchiks políticos e comentadores enfeudados nos pretende
impingir fazendo-nos acreditar que essas regras são a melhor (a única!)
barreira para impedir a corrupção, é precisamente a sua adopção que cria o
ambiente favorável ao seu desenvolvimento. Porque abre as portas ao ‘mercado de
influências’ e de subornos, porque, tal como no sistema que nele assenta (se
não houver ‘travões’ regulamentares que o impeçam), os fins justificam os
meios. Por mais legislação que se crie para o impedir, por mais vigilância e
controle que se estabeleça, no fim o que conta mesmo é o mercado, com o
seu tráfico de influências e poderes informais (discretos ou escancarados,
dependendo da situação e do momento), tudo devidamente embrulhado ou a coberto
de soluções que nos são impostas como tecnicamente inevitáveis!
Um dia (que se espera para breve) far-se-á a história do papel
desempenhado pelas agências de rating na submissão dos países aos
mercados, dos obscuros meandros envolvidos nessas operações de perda de
autonomia (da soberania externa e da democracia interna). Para já uma coisa
se sabe: cumprido o seu papel, essas nebulosas entidades, supostamente
técnicas, retiraram-se de cena (ou pelo menos recuaram na sua exposição
mediática), porventura na expectativa de poderem voltar a intervir quando vier
a demonstrar-se necessário. Mas este episódio perdurará como símbolo que deve
ser devidamente destacado: quando se chega ao ponto de os países serem tratados
como empresas, geridos por técnicos subalternos – as famigeradas troikas! – é a sua soberania que fica à
mercê dos credores, é a democracia que se submete aos mercados. São os valores
dos princípios que se subordinam ao princípio do ‘valor’.
Perante a incapacidade de uma alternativa consistente à esquerda e a dúbia
posição da liderança do PS, a Constituição surge, então, como a última
barreira, e o recurso ao Tribunal Constitucional o último garante de uma
democracia exangue! Pelo menos, por enquanto!