A avaliar pela natureza dos temas que têm dominado a
actualidade política, até pelo dramatismo colocado na sua análise pela
generalidade dos comentadores – a inconstitucionalidade do OE/13
não passa de mais um episódio neste contexto – dir-se-ia que a causa e remédio
de todos os problemas nacionais (e boa parte dos internacionais) têm origem e
fim no Euro: dos problemas congénitos que o impedem de se afirmar como
verdadeira moeda única, às questões mais pragmáticas e imediatas de se saber se
o País vai ou não conseguir manter-se no seu seio ou se, face às dificuldades e
ao esforço exigido para as superar – a política da austeridade inevitável
– não se afigura já mais sensato uma saída programada antes que seja obrigado a
isso.
Não obstante a relevância deste tema, sobretudo pelas suas
consequências imediatas sobre a vida das pessoas (e desde logo a austeridade
imposta em seu nome), a realidade, contudo, apresenta-se bem mais complexa e
exigente, pelo que a concentração da atenção política sobre as vicissitudes do
Euro, ao esconder (ou ao não manifestar, o que dá no mesmo) as causas profundas
da crise actual, contribui para desviar as preocupações do essencial para a sua
forma exterior mais visível, com óbvias consequências para o futuro.
E o essencial deve ser procurado, antes de mais
(como já por inúmeras vezes aqui foi referido), na própria evolução das
estruturas sociais, na aceleração recente do desenvolvimento económico, no
enorme incremento registado pela produtividade do trabalho a
nível global, em resultado dos acentuados avanços da técnica, seja a nível do
processamento da informação ou das aplicações tecnológicas, da mecânica à
biogenética, nanotecnologia e todas as outras. Sobretudo, na desigual
repartição dos ganhos conseguidos por esse exponencial aumento da produção,
permitidos pela automação que cada vez domina mais a designada
sociedade informacional, mas esmagadoramente retidos por quem nela controla o
poder económico.
É por demais conhecida a história desta indevida
apropriação. Ela acentua-se nos idos anos 70, quando os principais pilares
económicos do sistema (a nível de países e de empresas), confrontados com uma
acentuada queda de lucros provocada pela enorme transferência de recursos para
os países produtores de petróleo (na sequência das denominadas ‘crises
energéticas’), procuram, com o imprescindível (‘nesta democracia’!) patrocínio
do poder político, contrariar essa tendência recorrendo à tradicional
estratégia assente na desvalorização do trabalho, directa e
indirectamente, dando então início ao progressivo desmantelamento do Estado
Social, justamente tido como responsável, em boa medida, pela prosperidade
ocidental.
Este processo, conjuntamente com uma global desregulação
financeira e a total liberalização do comércio mundial (após a
criação da OMC, por transformação do extinto GATT), constituem a concretização prática da ideologia do mercado
auto-regulado, que assim impõe, na base do princípio do livre
comércio, o actual modelo de globalização, nomeadamente: a
constituição dos paraísos fiscais (‘off-shores’) – em nome da
livre circulação de capitais; a destruição das estruturas produtivas
nacionais – em nome da liberdade das trocas externas (e de um pretenso imediato
benefício para o consumo); a redução dos direitos laborais e das normas
ambientais – em nome (ou com receio) da deslocalização das empresas;...
A dramática
situação, económica e social (desemprego, exclusão,...), a que conduziu tal
modelo, justifica que se retome aqui a ideia já bastas vezes aflorada neste
‘blog’ (como em 3/Nov./2011): “É, pois, no elevado nível de
produtividade alcançado pelas sociedades actuais que deverão centrar-se os
esforços na elaboração das respostas globais mais adequadas para
se enfrentar, de forma coerente, a crise actual. De se procurar fazer
corresponder a organização social ao estado de desenvolvimento da economia.
Muito para além do modelo financeiro a que se reduz o plano de ‘reformas
estruturais’ (pela via da austeridade) – sequestrado pela especulação, contrário
à realidade da vida e a toda a racionalidade, avesso à própria democracia.
(...) E a primeira medida, imposta pela lógica da produtividade, é a reformulação
da ocupação do tempo – a começar pela redistribuição do tempo de
trabalho – retornando à senda dos direitos e da democracia, ao arrepio
do que se pretende impor agora, o seu aumento.”
Impõe-se – é urgente – um novo paradigma na organização social
que permita uma melhor repartição dos benefícios da produtividade pelo conjunto
da sociedade. Que traduza a inversão da orientação vertida nos famigerados
planos de austeridade, transferindo boa parte do esforço que tem sido exigido
ao trabalho para a redução/eliminação das regalias rentistas e especulativas.
Em nome de uma estrita racionalidade económica – perante o alastrar
incontrolável do desemprego... – já que, no contexto dos poderes actuais, de
nada adianta apelar à decência política!