terça-feira, 26 de novembro de 2013

Sempre a rir, Crato ri de quê?

Batista Bastos, em recente artigo no DN (13.11.13), referia-se ao ‘sorriso de Gioconda de trazer por casa’ do bem nutrido ministro Nuno Crato. BB bem podia ter pincelado a cores mais incisivas a pintura do boneco ao referir-se a este personagem – tanto a nível do seu enigmático riso permanente, como em termos da sua deletéria acção política (numa área tão importante como a da Educação). Porventura vontade de o vergastar não lhe faltaria, mas convenhamos que, desta vez, a expressão utilizada no referido artigo fica aquém da sua cáustica e sempre bem temperada prosa.

Não tenho a pretensão de colmatar tal lacuna zurzindo forte e feio no avantesma, muito menos a veleidade de me equiparar a este insigne cultor do sarcasmo mordaz, substituindo-o, mas lá que o descarado maganão merecia tratamento aprimorado, mais que não seja pelo petulante sorriso em tempo de contenção (não é só nas despesas impostas pelo orçamento do Governo que se exige contenção!), lá disso não restam dúvidas. Atrevo-me, pois, apenas por imposição ética e não estética, a emitir opinião.

Aonde quer que se desloque, Crato aparece a rir! O irritante sorriso permanente que o ministro exibe, a denotar uma satisfação pessoal interior, por mais descabido do lugar e da circunstância em que se encontre e por insultuoso contraste com quem sente dificuldades, só é possível explicar por razões estritamente pessoais. Das duas uma:

        Ou vive de tal modo inebriado com a posição a que o elevaram, que não consegue disfarçar a exaltação que lhe invade o íntimo, distribuindo sorrisos com enorme prodigalidade (de tão inchado, ainda corre o risco, como na história da rã, de rebentar se fizer um sorriso mais largo).
        Ou, qual arrependido cristão-novo ou deslumbrado integrista da causa liberal e seu assumido militante, ri provocantemente de satisfação pelos êxitos da cruzada em que se tem empenhado de destruição da escola pública em benefício dos interesses que a escola privada favorece.

O sorriso que lhe açaima o rosto, porém, torna-se ofensivo perante a maior parte das pessoas, para quem a política que ele serve e de que é executante privilegiado se tornou bem molesta e hostil. Para quem esse alimento que lhe constrói o esgar se traduz na desgraça e sofrimento de muita gente, se apresta, em nome de uma delirante utopia liberal – a sociedade entregue ao arbítrio do mercado livre! – a destruir (literalmente) um País.

Adivinhava-se-lhe o jeito desde que, alegando rigor matemático e em tom coloquial, quase displicente, emparceirava com Medina Carreira num televisivo ritual semanal, ambos competindo em deletério exercício teórico sobre como acentuar o declive, já então pronunciado, do frágil Estado Social (muito em especial, na educação). A crise do ‘sub-prime’ e o subsequente alastramento ao sector financeiro, com o estouro da bolha especulativa gerada pela desregulação dos mercados, precipitou a prova que afanosamente Medina vinha desejando, ao mesmo tempo que destapava as incongruências de uma UE disforme e sem concerto – afinal a causa imediata do descalabro, bem mais próxima da realidade.

Enquanto isso, ao ‘herói’ desta peça, é dada a oportunidade de pôr em prática as longas dissertações mediáticas sobre a reforma da Educação. Agora, investido em funções de responsabilidade governativa, com capacidade para modificar tudo o que então apontava como reprovável, percebe-se finalmente que os motivos que o moviam pouco ou nada tinham a ver com a realidade social mas sobretudo com promoção pessoal ou fervor prosélito, pois os resultados conseguidos pela sua acção apresentam-se de tal modo desastrosos (qualquer que seja o critério de avaliação utilizado: financeiro, pedagógico, social,...), que ultrapassam tudo o que então seria possível imaginar de mais catastrófico.

Pondo de lado a luta dos professores em nome da sua dignidade (pelos laivos corporativos que compreensivelmente envolve, embora o tema, só por si, justifique tratamento bem destacado), assinale-se, para melhor exemplo do desastre, uma recente reportagem da TVI sobre o apoio deste Governo a escolas privadas, com claro prejuízo para as públicas, bem esclarecedor dos propósitos que animam os nossos liberais domésticos (ou domesticados?). Esclarecedor em definitivo é, sem dúvida, a ruptura com o Governo assumida pelo Conselho de Reitores das Universidades sobre financiamento do ensino superior, pelas naturais (e graves) implicações a nível do retrocesso escolar e na área da investigação.

Crato é apenas mais um a juntar-se à galhofa a que os membros deste Governo se entregam enquanto fingem gerir o País, inchados de satisfação por, finalmente, verem a sua obra de transformação do Estado Social em Estado Assistencial (o Estado mínimo) prestes a consumar-se. Apetece contrapor ao riso cínico dos galhofeiros o aviso do velho aforismo: ‘o último a rir é o que ri melhor’! É que os efeitos nefastos desta cruzada sobre a vida de milhares de pessoas, pode bem dar lugar ao desespero e à violência. No afã de implantarem o mais rápido possível a Lei da Selva do Mercado, pode bem dar-se o caso de o feitiço se virar contra o feiticeiro. Mas que esse momento tarda, lá isso tarda! 

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