quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Pretextos e Estratégias

Cresce a convicção, à medida que os factos assim o vão impondo, que a manutenção no Euro se  torna cada dia mais insustentável. Como é óbvio, não é possível ignorar as consequências de uma tal ocorrência se (ou quando) vier a acontecer: a regressão económica e social será devastadora a nível interno; já a nível externo os efeitos são imprevisíveis e ameaçam pôr em causa a própria continuidade da UE. Mas permitirá, desfeitos os laços de uma união disforme e pretexto para acentuar os mecanismos da exploração capitalista – a coberto da ‘legalizada’ Selva dos Mercados! – partir-se de uma nova base, mais autónoma e democrática. Sobretudo melhor preparada e mais imune a pretextos e chantagens políticas externas.

O desconcertante rodopiar aparentemente sem nexo nem controle dos ministros deste governo, desdobrando-se em declarações contraditórias (à mistura com cínicos avisos bastas vezes formulados para o não fazerem!), pode bem obedecer a um propósito que começa a ganhar sentido. Por trás dessa confusa balbúrdia de cada Ministro parecer falar desgarrado, percebe-se cada vez mais a estratégia do Governo sobre o eventual pedido de um 2º resgate (ou da sua versão mais suave de um indefinido programa cautelar): perante a sua inevitabilidade – sobretudo perante o inevitável fracasso da política adoptada – torna-se imperioso fazer passar para a opinião pública a ideia de tudo isto não ser da sua responsabilidade. Essa estratégia vem-se desenvolvendo em três frentes principais:

1.      Por um lado, multiplicam-se as declarações públicas sobre o mirífico significado dos (poucos) indicadores económicos positivos e da épica saída da recessão técnica, pelo que a ‘retoma da economia’ é tida,  praticamente, como um dado adquirido (praticamente e não realmente, como se verá a seguir, no ponto 3.);
2.      Ao mesmo tempo vão-se deixando cair ameaças de um ‘2º resgate’, por regra (vá-se lá saber porquê), em declarações proferidas fora do País!: primeiro Pires de Lima em Londres, depois Machete na Índia,... logo convenientemente desmentidas para que o efeito pretendido não se cole aos seus autores (e ao Governo), dure apenas o tempo de um aviso para uso futuro;
3.      Por último, aposta no chumbo do TC como bode expiatório para, eximindo-se das suas responsabilidades próprias pela política de destruição do País, poder concluir-se que as medidas chumbadas eram essenciais para sustentar essa pretensa retoma da economia, pelo que será ‘apenas’ a sua exclusão que obrigará o País ao 2º resgate – tal como eles, afinal, tinham avisado!

Há muito se percebeu – e tantos o têm vindo a afirmar, desde o início do programa da troika! – que só uma reestruturação profunda da dívida pode permitir a sua (longa mas efectiva) resolução. Reestruturação necessariamente a nível de taxas, prazos e condições de pagamento – mas cada vez mais também a nível de montantes, em especial os derivados da acumulação de juros especulativos. Pois um simples cálculo aritmético evidencia que, ao nível actual da Dívida Pública (cerca de 130% do PIB) e no enquadramento comunitário vigente, só um crescimento anual do produto dois ou três pontos acima das taxas que a oneram tornará viável o pagamento do respectivo ‘serviço da dívida’ – ainda assim desde que conjugado com um longo período de amortização e carência de capital nos primeiros anos! O que é manifestamente inalcançável!

Isso mesmo se deduz das declarações de um dos principais fautores desta política, o Secretário Moedas, quando terá afirmado – antes de ser Governo – que a dívida acima dos 70% do PIB (!!!) exigia ser renegociada. Mas logo que meteu a mão no pote, esta privilegiada ‘amiba’ do conjunto de invertebrados protozoários que, pela fraude e a mentira, abocanhou o poder político – ora dizem uma coisa e fazem outra, ora se escudam em razões alheias ou pretextam algo para iludir causas próprias, zelosamente focados em, custe o que custar, retornarem à Lei da Selva... dos mercados – tratou de alterar a sua posição e, fiel serventuário do capital sem pátria, afadigou-se na rápida (e rapace!) transferência de recursos em benefício exclusivo deste. Propósito convenientemente oculto sob a punitiva alegação (leia-se, pretexto) de ‘termos vivido acima das nossas possibilidades’. A justificar, pois, o insidioso programa de austeridade sob pretexto, como sempre, de imposição externa.

Agora, perante a destruição do País provocada pelas políticas desta cáfila criminosa, resta-lhes tentar sair airosamente do embaraço que constitui o sucessivo fracasso das metas prometidas e nunca atingidas. É o que se preparam para fazer: o provável chumbo do TC a algumas das medidas do OE/2014 permitir-lhes-á o pretexto para novo aumento (directo) de impostos – já que, a avaliar por tais peças, não será plausível a opção, por vezes referida, de aproveitarem para abandonar o Governo (num já clássico ‘agarrem-me senão eu fujo!’). Do Governo hão-de sair, claro, mas escorraçados!

A história deste Governo resume-se, toda ela, a um longo rol de pretextos. A história, afinal, de uma premeditada estratégia visando a recomposição estrutural da sociedade portuguesa – o reforço das suas elites financistas à custa da transferência de recursos das classes mais frágeis, o poder dos mercados em lugar do dinamismo da democracia – a pretexto do pagamento de uma dívida fortemente ‘inflacionada’ pela especulação financeira e por financiamento comunitário com regras armadilhadas. Tudo com o conveniente aval de uma troika externa sobre quem se pretende fazer recair toda a responsabilidade pela destruição do País a que conduziu esta política de desastre anunciado!

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