Peça a peça, vai-se completando o
‘puzzle’ da trama para onde o País (e o Mundo) foi arrastado. Sem necessidade
de recuar às origens do sistema, nem recorrer a teorias mais abrangentes e
sistematizadas, olhando apenas o desenrolar dos acontecimentos que constróem o
nosso quotidiano, a pouco e pouco vai-se tornando clara a actual política
de transferência de rendimentos para o capital, seja pela via brutal da
desvalorização do trabalho (redução salarial, precarização das relações laborais,...),
seja através da gradual destruição do Estado Social (a nível da saúde,
educação, prestações sociais,...), tudo em nome da aparente obsessão ideológica
de um proclamado Estado mínimo – em prol, dizem, da ‘libertação da sociedade
civil (e agora até acrescentam já) da tentação de um Estado totalitário’!
As políticas de austeridade que,
um pouco por toda a parte e sob formas diferentes, têm vindo a ser
(inutilmente, registe-se!) postas em prática para, de acordo com os seus
promotores, resolverem a crise das dívidas, constituem apenas a última peça de
uma longa sequência de factos económicos – a par das decisões políticas que, em
boa medida, os explicam! As dívidas passam a ser incontroláveis após a crise
financeira mundial que se instala na sequência do rebentamento da bolha
imobiliária na maior economia do Mundo. A ‘bolha’, essa, é
impulsionada pela especulação financeira, por sua vez o resultado
da liberalização e desregulação económica. Correndo o risco de
algum esquematismo simplista, eis, pois, a sequência cronológica essencial da
causa próxima do actual descalabro social: desregulação económica, especulação
financeira, bolhas imobiliárias, crise bancária, disparo das dívidas,
ajustamento pela via da austeridade. O ciclo irá decerto repetir-se, mas
agora a partir de uma já anunciada nova crise bancária gerada pelo endividamento
dos particulares por força da violenta austeridade a que foram
submetidos. O fatalismo das soluções catastróficas parece inevitável!
Acresce, no que respeita à
dívida pública nacional, o contributo específico do processo de integração
do País na UE, traduzido, desde logo, na armadilha dos subsídios
europeus (concedidos a troco de contrapartidas: ao desmantelamento de
sectores produtivos vitais, soma-se a exigência da componente financeira
interna, conjugada com as baixas taxas de juro no crédito externo), por último,
na adesão ao disfuncional Euro (alienação da política monetária própria,
sem os correspondentes mecanismos de compensação comunitários). E, ainda, a
atávica (mas não específica) componente nacional da corrupção na base do
conúbio entre os interesses financeiros, imobiliários e políticos!
Esta é, contudo, apenas a face visível e mais recente
deste caviloso enredo. Emerso nele, porém, vislumbra-se uma meticulosa política
que, sob a capa dessa anunciada ‘libertação’, tem vindo a permitir a constituição
de um poder absoluto sem rosto nem freio, que absorve e domina por
completo a vida das pessoas, que lhes subjuga o corpo e a mente. O Estado
construído na base do Contrato Social aparecia, então, como a última –
porventura a única – barreira com capacidade para evitar essa subjugação total
dos indivíduos aos ditames do poder dos caprichosos mercados:
limitando-lhes os excessos, impondo-lhes até uma certa redistribuição social
dos rendimentos. Desmantelado o Estado Social é ele próprio subjugado e posto
ao serviço exclusivo desses mesmos mercados que, libertos de quaisquer
entraves, o manipulam a seu bel-prazer.
Foi o quotidiano desta crise que se encarregou de mostrar
a falácia da tão propalada e encomiástica ‘liberdade dos mercados’.
Apresentada como a poção mágica para uma gestão eficiente da economia, não
passa, afinal, de delirante exaltação ideológica sem aderência à realidade. A
insistência na fórmula que conduziu ao desastre, se à luz da lógica racional
parece raiar o absurdo, permite clarificar os seus verdadeiros propósitos:
continuar a garantir aos que os dirigem (liderados pela Banca) o maior controle
dos ganhos de produtividade – o que exige a utilização do aparelho de Estado
para tal fim. Por trás da intensa barragem de propaganda emergem, pois, os tão
famigerados mercados transformados em sujeito e objecto de manipulações
obscuras, ao sabor e em proveito único de interesses particulares.
É bom recordar que a actual fase dessa pretensa liberalização da
sociedade civil – pretexto para o arranque, promovido por Reagan e Thatcher, do
processo de desregulação económica – teve origem na luta social gerada em torno
da repartição dos ganhos de produtividade que a ‘revolução informática’
acelerou de forma acentuada. Os resultados a nível económico (claramente
aquém dos do período precedente, por isso designado de ‘os 30 gloriosos anos’)
e sobretudo social (aprofundamento das desigualdades,...), parecem
desembocar num novo impasse ou caminhar para o desastre. Nem mesmo a evidência de
que o aumento das desigualdades, para além do risco de fractura da coesão
social, agrava a ineficiência económica, parece demover os ditos mercados da
sua eterna cruzada pela acumulação crescente de capital. Mesmo que isso
implique a ruína social a longo prazo. A sua própria ruína, afinal!
É este processo que precisa ser estancado. Que exige ser invertido. Será, pois, no retorno à luta pela repartição dos benefícios da produtividade que deverão construir-se as alternativas à crise e à austeridade imposta pela actual política neo-liberal – tema, de resto, já bastas vezes aqui trazido. Sobretudo através da redução do tempo de trabalho, ao arrepio, é certo, das actuais tendências dominantes, à custa, como é devido, da remuneração do capital. Face às enormes e crescentes capacidades produtivas actuais, esta é a única via possível para combater com eficácia o desemprego e reduzir as desigualdades. Ainda que o ambiente a nível global se apresente francamente adverso e os resultados se afigurem longínquos e de difícil alcance. O que exige uma demarcação clara da organização social baseada no domínio dos mercados e no Estado por eles manipulado.
É este processo que precisa ser estancado. Que exige ser invertido. Será, pois, no retorno à luta pela repartição dos benefícios da produtividade que deverão construir-se as alternativas à crise e à austeridade imposta pela actual política neo-liberal – tema, de resto, já bastas vezes aqui trazido. Sobretudo através da redução do tempo de trabalho, ao arrepio, é certo, das actuais tendências dominantes, à custa, como é devido, da remuneração do capital. Face às enormes e crescentes capacidades produtivas actuais, esta é a única via possível para combater com eficácia o desemprego e reduzir as desigualdades. Ainda que o ambiente a nível global se apresente francamente adverso e os resultados se afigurem longínquos e de difícil alcance. O que exige uma demarcação clara da organização social baseada no domínio dos mercados e no Estado por eles manipulado.
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