segunda-feira, 22 de julho de 2013

O império do ‘faz de conta’: Políticos dissimulados, políticas fracassadas...

Com o tempo e o desenrolar da crise política, tem vindo a ganhar maior significado o gesto de Vítor Gaspar que, ao demitir-se do cargo de Ministro de Passos, considerou indispensável acompanhar essa decisão de uma carta tornada pública (!), contendo as razões para tal atitude, em que assume a responsabilidade pelo incumprimento das metas do déficit e da dívida – o reconhecimento do fracasso das políticas gizadas nesse sentido – admitindo ainda falta de credibilidade e confiança para a necessária inversão dessas políticas. A plêiade de indefectíveis fiéis do credo neoliberal agitou-se num frémito de surpresa, misto de orfandade e traição à causa. A recuperação do fôlego tem sido penosa e a incredulidade reina nas hostes dos judiciosos comentadores, encartados académicos, desinteressados políticos e impolutos banqueiros, a palavra mais ouvida para descrever o estado desta gente tem sido mesmo ‘confusão’.

Essa carta constitui, sem dúvida, a peça central para a explicação da presente crise política. Porque ao confessar o fracasso da política de austeridade – tida, na lengalenga liberal, como o instrumento chave na recuperação da credibilidade do País, essencial para um ambicionado ‘regresso aos mercados’ (!) – o seu principal mentor e obreiro desferiu um golpe fatal na credibilidade e utilidade de tal política. Tão arrasador que deixou os habituais serventuários do regime e demais sequazes deste culto, profundamente abalados nas suas certezas e convicções, incapazes sequer de esconder o desânimo que lhes tolda o denodado proselitismo perante a opinião pública, prejudicando até gravemente a persistente catequese de conformação dos espíritos às directrizes da seita.

Perante este desmoronar de certezas mesmo entre os mais incontestados apoios desta política, o que leva então Passos e o seu núcleo duro (onde se inclui a generalidade dos parlamentares de suporte ao Governo) a insistirem com tanto empenho e descaramento nessas desacreditadas políticas que, numa penada, o ex-Ministro destruiu? A resposta surge na carta do também demissionário Ministro Portas: dissimulação! Passos sabe que a única forma de se manter no poder, custe o que custar, é apresentar-se inabalável nas suas convicções e certezas nos resultados desta política (o ambiente mais favorável, por razões externas), certo de que só assim lhe é possível segurar a rede clientelar de interesses e privilégios a que se encontra ligado. Mas depois do descrédito de ‘tanta convicção’ provocado pela confissão pública daquele seu ex-Ministro, só lhe resta mesmo proceder conforme a conduta ditada pelo seu outro ex-demissionário (?) Ministro, fingir que acredita, ser dissimulado!
 
É nesta trama que o PS se encontra metido. Para já conseguiu resistir – muito por ‘culpa’ da pressão de alguns dos seus notáveis que temiam a ‘pasokisação’ do partido – à negociata em torno de mais ou menos austeridade, rejeitando a fracassada política liberal do ex-Ministro Gaspar, não aceitando integrá-la ou apoiá-la, nem sequer através da abstenção (do faz de conta que não estou cá!). Parecia, pois, que, pelo menos no imediato, não iria embarcar – como em tantas outras vezes no passado, diga-se – neste cada vez mais denunciado jogo da dissimulação política. Mas se assim é, qual a razão da recusa em manter o diálogo com a restante esquerda na busca de uma plataforma comum? Os próximos episódios deverão decerto esclarecer a trama que trama este PS.

O desfecho desta rocambolesca epopeia teve o seu epílogo provisório na decisão do PR em dar à farsa política um novo fôlego, ao confirmar o remodelado Governo de Passos e Portas. Na lógica desencadeada pelo desafio lançado aos partidos subscritores do memorando no sentido de um dramático ‘compromisso de salvação nacional’ (!), impunha-se como única solução coerente a alternativa de dissolução da AR. Pois se o objectivo era a conciliação de posições entre os ‘dois lados’ do memorando, concluindo-se pela sua impossibilidade, era forçoso, sob pena da inutilidade de um tal processo, extrair dele todas as ilações levando-o às últimas consequências. Tal implicaria confirmar a falta de confiança política na proposta de remodelação do Governo de Passos e devolver a palavra aos eleitores, porque são eles que, em última análise, devem decidir. Ao optar em contrário, ficou patente a falta de coerência do Presidente em todo este processo.

A avaliar pelo passado, não custa admitir que, neste PR, a lógica dos interesses prevaleça sobre a lógica da coerência. Trata-se, afinal, do político mais responsável pela frágil situação económica e financeira do País, ao negociar, enquanto 1º Ministro, a destruição da estrutura produtiva nacional por troca com os subsídios fáceis da então CEE (acoplados ao mecanismo que incentiva a dívida interna), em benefício de específicos grupos de interesses e clientelas. É, enfim, o império do faz de conta, da dissimulação na política – em nome do pragmatismo contra os princípios, em prol dos mercados contra as pessoas, na defesa de privilégios particulares contra os interesses gerais.

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