Do que se conhece do caso dos ‘Swaps’, para além da
tecnicidade da ‘coisa’ e dos valores astronómicos envolvidos, é que, longe de
constituir um negócio furtivo, praticado em sigilo num esconso clube de
iniciados, de contornos legais duvidosos, se trata de um sofisticado produto
concebido para um padrão de comportamento normalizado (apenas acessível, é
certo, ao conjunto de predestinados serventuários de um regime talhado à
medida). Daí haver sido utilizado em várias empresas, ter envolvido múltiplos
gestores, servido – e de que maneira! – grandes bancos, enchido os bolsos
da fina flor financeira. No final, como sempre, à custa do correspondente esvaziar
dos bolsos de contribuintes e consumidores.
Trata-se, é bom de ver, de mais um produto saído da
denominada engenharia financeira que o mercado desregulado tornou
possível e a total liberdade de circulação de capitais – com os seus naturais
apêndices nos paraísos fiscais, os ‘off-shores’ e a consequente fuga aos
impostos – até incentivou. Sob pretexto de se proporcionar um serviço ou
benefício (no caso, uma espécie de seguro de crédito), engendra-se toda uma
panóplia de derivados em que rapidamente se enredam os mais hábeis e
prevenidos, seduzidos pela miragem dos resultados fáceis prometidos pelo casino
financeiro global em que a banca mundial se transformou.
Até ao descalabro financeiro do
‘sub-prime’ norte-americano, prosseguido na actual crise das dívidas europeias
(sem fim à vista e com prognóstico reservado, pois dificilmente algumas delas
escaparão à derrocada económica e ao descalabro social e político dos
respectivos países), tudo parecia correr no melhor dos mundos. Daí que o
sobressalto causado, logo que conhecido, parecesse mais obra de facínoras do
que o resultado de lógicas instituídas e bem aceites, que a causa de tamanha
devastação e insensatez devia ser procurada mais nos excessos da ganância dos
indivíduos do que num sistema baseado, ele próprio, na ganância.
Correr agora atrás dos agentes da
‘coisa’ para os incriminar por tais malfeitorias, não deixa de constituir
indispensável actividade profilática, mas incorre-se no risco – mais uma vez –
de tais acções contribuírem para fazer esquecer o mais importante. Porque o
essencial é mesmo alterar o sistema que gerou tais comportamentos –
pomposamente apresentados como sofisticados produtos de engenharia
financeira!!! O fundamental passa, mesmo, por se desmantelar o edifício
construído na base da desregulamentação e liberalização financeiras que,
iniciado pela direita tradicional na era de Reagan e Tacher na já ‘longínqua’
década de 80, conheceu a sua maior expansão e teve o seu apogeu com a ‘nova’
esquerda na era de Clinton e Blair na década de 90 – se bem que muito
aprofundado nas seguintes. Tudo em nome da sacrossanta vontade e comando dos
famigerados mercados, liderados pela finança de âmbito planetário.
Já nos habituámos a ver toda a
espécie de patifarias a coberto dos mercados, dessa entidade abstracta,
misteriosa e omnipresente que parece ter tomado conta do mundo, sem mostrar, no
entanto, o rosto. Mas têm rosto e ele descobre-se nos homens da Goldman Sachs,
nos corretores de Wall Street, nos gestores de um qualquer banco. Porque foram
eles que ergueram este edifício e delinearam o sistema à medida dos seus
interesses. A coberto de uma ideologia meticulosamente projectada ao longo de
décadas (desde os anos 30...), servida por académicos prosélitos (Hayek,
Friedman, Buchanan,...) e politicamente arregimentados (Societé Mont-Pèlerin, Club
Bilderberg,...).
A alteração deste estado de coisas que ameaça fazer regredir as
sociedades em mais de um século (o contexto actual de relações globalizadas
limita a actuação possível) exige uma acção concertada aos vários
níveis: político, no sentido da afirmação do primado da política
(e de alguns princípios basilares mais postos em causa: igualdade,
proporcionalidade,...) sobre o poder discricionário da dominante tecnocracia
financeira, tendo em vista a reposição de regras de conduta civilizada, contra
a lei da selva; ideológico, visando a desmontagem da manipulação
‘teórica’ em que assenta o embuste do mercado livre, contra a sua suposta
neutralidade social; judicial, pondo-se em evidência, a partir da
penalização dos benefícios abusivos, a correlação fraudulenta dos interesses
entre decisões de gestão (pública ou privada) e opulentos resultados auferidos
por uns poucos, contra o esbulho – ainda que instituído e sancionado pelo
próprio sistema – da maioria das pessoas.
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