sexta-feira, 10 de maio de 2013

Swaps: produtos tóxicos, elites corruptas, sistema falido...


Do que se conhece do caso dos ‘Swaps’, para além da tecnicidade da ‘coisa’ e dos valores astronómicos envolvidos, é que, longe de constituir um negócio furtivo, praticado em sigilo num esconso clube de iniciados, de contornos legais duvidosos, se trata de um sofisticado produto concebido para um padrão de comportamento normalizado (apenas acessível, é certo, ao conjunto de predestinados serventuários de um regime talhado à medida). Daí haver sido utilizado em várias empresas, ter envolvido múltiplos gestores, servido – e de que maneira! – grandes bancos, enchido os bolsos da fina flor financeira. No final, como sempre, à custa do correspondente esvaziar dos bolsos de contribuintes e consumidores.

Trata-se, é bom de ver, de mais um produto saído da denominada engenharia financeira que o mercado desregulado tornou possível e a total liberdade de circulação de capitais – com os seus naturais apêndices nos paraísos fiscais, os ‘off-shores’ e a consequente fuga aos impostos – até incentivou. Sob pretexto de se proporcionar um serviço ou benefício (no caso, uma espécie de seguro de crédito), engendra-se toda uma panóplia de derivados em que rapidamente se enredam os mais hábeis e prevenidos, seduzidos pela miragem dos resultados fáceis prometidos pelo casino financeiro global em que a banca mundial se transformou. 
 
Até ao descalabro financeiro do ‘sub-prime’ norte-americano, prosseguido na actual crise das dívidas europeias (sem fim à vista e com prognóstico reservado, pois dificilmente algumas delas escaparão à derrocada económica e ao descalabro social e político dos respectivos países), tudo parecia correr no melhor dos mundos. Daí que o sobressalto causado, logo que conhecido, parecesse mais obra de facínoras do que o resultado de lógicas instituídas e bem aceites, que a causa de tamanha devastação e insensatez devia ser procurada mais nos excessos da ganância dos indivíduos do que num sistema baseado, ele próprio, na ganância.

Correr agora atrás dos agentes da ‘coisa’ para os incriminar por tais malfeitorias, não deixa de constituir indispensável actividade profilática, mas incorre-se no risco – mais uma vez – de tais acções contribuírem para fazer esquecer o mais importante. Porque o essencial é mesmo alterar o sistema que gerou tais comportamentos – pomposamente apresentados como sofisticados produtos de engenharia financeira!!! O fundamental passa, mesmo, por se desmantelar o edifício construído na base da desregulamentação e liberalização financeiras que, iniciado pela direita tradicional na era de Reagan e Tacher na já ‘longínqua’ década de 80, conheceu a sua maior expansão e teve o seu apogeu com a ‘nova’ esquerda na era de Clinton e Blair na década de 90 – se bem que muito aprofundado nas seguintes. Tudo em nome da sacrossanta vontade e comando dos famigerados mercados, liderados pela finança de âmbito planetário.

Já nos habituámos a ver toda a espécie de patifarias a coberto dos mercados, dessa entidade abstracta, misteriosa e omnipresente que parece ter tomado conta do mundo, sem mostrar, no entanto, o rosto. Mas têm rosto e ele descobre-se nos homens da Goldman Sachs, nos corretores de Wall Street, nos gestores de um qualquer banco. Porque foram eles que ergueram este edifício e delinearam o sistema à medida dos seus interesses. A coberto de uma ideologia meticulosamente projectada ao longo de décadas (desde os anos 30...), servida por académicos prosélitos (Hayek, Friedman, Buchanan,...) e politicamente arregimentados (Societé Mont-Pèlerin, Club Bilderberg,...).

A alteração deste estado de coisas que ameaça fazer regredir as sociedades em mais de um século (o contexto actual de relações globalizadas limita a actuação possível) exige uma acção concertada aos vários níveis: político, no sentido da afirmação do primado da política (e de alguns princípios basilares mais postos em causa: igualdade, proporcionalidade,...) sobre o poder discricionário da dominante tecnocracia financeira, tendo em vista a reposição de regras de conduta civilizada, contra a lei da selva; ideológico, visando a desmontagem da manipulação ‘teórica’ em que assenta o embuste do mercado livre, contra a sua suposta neutralidade social; judicial, pondo-se em evidência, a partir da penalização dos benefícios abusivos, a correlação fraudulenta dos interesses entre decisões de gestão (pública ou privada) e opulentos resultados auferidos por uns poucos, contra o esbulho – ainda que instituído e sancionado pelo próprio sistema – da maioria das pessoas.

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