Dêem-se as voltas que se derem,
sejam quais forem as variantes, cambiantes e atenuantes, com mais ou menos explicações e outras justificações,
invariavelmente a discussão em torno da crise das dívidas tende a
dividir os oponentes em dois campos: de um lado os que defendem e advogam (ou
pelo menos justificam) a austeridade inevitável; do outro os que
a contestam ou lhe apontam limites, propugnando o crescimento das
economias como forma de pagar as dívidas atenuando os efeitos perversos da
austeridade.
O espaço mediático, em especial a
televisão, ferve de análises e discussões sobre o tema. E o resultado, com
raras excepções, salda-se sempre pelo mesmo, o que é bem sintomático da
clausura em que se encontra o pensamento actual, incapaz de ver para além das
manifestações imediatas ou de gizar uma estratégia de longo prazo, amarrado à
agenda que mais interessa aos fautores desta austeridade, empenhados em
reconstruírem o abalado sistema financeiro. Afinal, os mesmos principais
responsáveis pela crise dita das dívidas, como todos os dias nos vamos
apercebendo através dos novos dados e episódios que se vão conhecendo (a última
peça deste casino especulativo – a funcionar em pleno, sublinhe-se! – foram os
‘swaps’).
Chegados a este ponto e perante o
fracasso apresentado pelos resultados da dominante via austeritária, fala-se
agora de se avançar para uma via intermédia que permita conjugar a austeridade
do equilíbrio orçamental com medidas de crescimento e dinamização da economia e
do emprego. Falam sobretudo em atrair investimento (através da descida da TSU
ou do IRC, ou ambas), mas ao mesmo tempo avançam com um brutal corte na despesa
pública, em nome da dívida, de efeitos comprovados sobre o proclamado
pretendido crescimento, degradando ainda mais a espiral negativa da economia
(aumento do desemprego, contracção da procura interna, queda do produto,...).
Ora, nas condições actuais de excesso
de produção mundial (entenda-se 'excesso de oferta' relativamente à procura
solvente), a selecção das oportunidades de negócio por parte do capital será
ainda mais apertada, pelo que, sem um suporte mínimo no mercado interno – e
mesmo sem contar com a perda de receitas provocada pelas descidas da TSU e/ou IRC
(implicando as 'alternativas' de uma ainda maior contracção da procura ou de mais despesa) –
os presumidos efeitos benéficos destas medidas dificilmente encontrarão eco nos
investidores, muito remotamente se demonstrarão suficientes para seduzir racionais decisões de investimento.
Na origem desta dificuldade
encontramos, sem surpresa, a produtividade. Neste caso, por efeito da
desigual repartição dos seus benefícios, pois ao não chegar ao trabalho, reduz
dramaticamente a procura de que se alimenta o investimento, de
que este carece para ponderar seriamente as suas decisões de aplicação
rentável, aqui ou noutro lugar! Sem procura não há investimento e sem
investimento, como é bem sabido, não há crescimento, emprego, definha a
procura... Afinal, a famosa espiral recessiva de que alguém falava, ainda não
há muito.
Nesta onda de lugares comuns e encadeamentos fáceis de
soluções à medida (conforme a escola ou os interesses), importa aqui introduzir
uma pequena dissonância com o tom geralmente adoptado, pois, não obstante as
consequências imediatas que tal discussão acarreta sobre a vida de milhões de
pessoas, mais importante que concluir se o crescimento sobreleva a austeridade
(só será possível pagar as dívidas se a economia gerar riqueza, se libertar os
meios suficientes), é descobrir que, na origem da crise – de qualquer crise,
aliás – se posiciona o constante aumento da produtividade do trabalho,
exponenciado com a actual revolução informacional.
Embora por vezes surjam, no meio
destas discussões em torno da ‘austeridade vs. crescimento’, referências
à produtividade, arrisco a dizer que elas eram até mais frequentes já antes da
crise. Talvez a premência da vida tenha contribuído para a submergir na voragem
dos argumentos pró ou contra uma ou outra opção. Desde a década de 90
(sobretudo) que vários autores, nomeadamente franceses, chamam a atenção para a
necessidade de se encontrarem respostas sociais diferentes das actuais aos
problemas postos por este enorme incremento da produtividade.
Respostas que passam inevitavelmente por se repensar o trabalho
e o tempo de ocupação. Por se repensar toda a organização social.
Por se contestarem os poderes dominantes. Enfim, talvez isto ajude a perceber a
razão desta deliberada omissão, deste imposto esquecimento. Até quando?
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