segunda-feira, 18 de março de 2013

Em nome dos Mercados, a destruição de um País – I


O anúncio dos resultados da última visita da troika decorreu sob ambiente fúnebre. A anterior exaltação na comunicação de uma sistemática ‘nota positiva’ da troika, deu lugar a rostos fechados, as convictas certezas a desconfiadas projecções. O tom monocórdico e sem alma do discurso do ministro Gaspar a anunciar – sem se atrever a assumi-lo – o fracasso da política da austeridade, a recusa em admitir culpas próprias na destruição inútil do País, na instauração da miséria e na difusão do desespero, soa a provocação. Na própria base de apoio ao Governo, às vozes isoladas de Capucho, de Adriano ou de Freitas alertando para os perigos desta política (gizada ao arrepio do programa social-democrata de que se reivindica o PSD e da doutrina social cristã que, a espaços, ainda se ouve no CDS), sucede a descrença e o lamento dos indefectíveis, ainda que mais receosos dos efeitos eleitorais que dos danos infligidos ao País e às pessoas. Quanto aos tímidos pios de Cavaco – afinal o único com poder para intervir – revelam-se tão inúteis como a austeridade!

Depois de destruírem o País, perante a catástrofe e a evidência da inutilidade da política de austeridade que a provocou, o Governo procurou disfarçar a sua dimensão, evidenciando o lado positivo dos resultados, mas a máscara de confiança havia soçobrado ao peso da crua e dura realidade: o fracasso de todos os objectivos propostos, a ruína de mais de 1 milhão de desempregados, o País pobre e acabrunhado. No final, todos os indicadores convergem no diagnóstico de que o desastre económico é o resultado de uma política errada, mesmo do ponto de vista dos sacrossantos princípios do sistema (no global, não na óptica de interesses particulares), uma vez que conduziu à própria destruição do mercado interno, a base indispensável à sua sobrevivência. Até o único resultado positivo, o equilíbrio das contas externas, está a ser conseguido precisamente à custa da destruição desse mercado, o que diz bem da sua eficácia futura.

Do outro lado, apenas a amargura da confirmação do que insistentemente se vinha há muito denunciando. Ninguém neste momento surge, triunfante, a reivindicar haver tido razão antes do tempo, pois à excepção do fundamentalismo enfileirado atrás da clique Borges-Moedas, era por demais evidente a todos, incluindo em sectores de direita, o desfecho anunciado desta política. De pouco vale decerto ter razão perante a destruição de um país. Sobretudo quando, no contexto político actual e nas condições económicas de dependência externa e enquadramento comunitário, se não vislumbra com clareza uma alternativa viável para a saída do buraco em que o País foi afundado. Daí que, perante o descrédito dos partidos tradicionais da esquerda e a difícil concertação dos respectivos projectos, a maior consistência política ao descalabro da actual prática governativa pareça residir em acções e movimentos... inorgânicos. Com todo o risco que isso comporta.

O desbragamento verbal que se observa nos cartazes das manifestações que, dia após dia, saem à rua em protesto contra esta política, traduz o desprezo total pelos detentores do poder, a falta de respeito que merece a sua acção pública. Ao optarem pelos interesses dos mercados em detrimento das necessidades das pessoas, fizeram-no à revelia das promessas eleitorais, tornando-se ilegítimos detentores do poder delegado. Agora, consumado o fracasso das suas políticas, sobram os protestos contra esta monumental fraude, mas a nota dominante é o desespero, que alimenta a raiva, antecâmara da violência. Para onde estamos todos, de uma forma ou de outra, a ser empurrados.

Talvez o principal efeito destas políticas – e que irá seguramente perdurar muito para além do seu termo – seja mesmo a violência psicológica que está a ser exercida a nível de cada indivíduo, por múltiplas formas e em intensidade variável. Porque o resultado lógico desta deliberada política de selecção natural (?), das empresas e das pessoas, em nome de uma pretensa renovação da estrutura produtiva – o denominado darwinismo social – só pode ter como resultado a instauração da selva na sociedade, a instilação de uma cultura de selvajaria nas relações sociais. Num mundo onde impera a feroz regra da sobrevivência, para onde se orienta toda uma geração de jovens, condicionando-lhe desde logo o acesso a ocupações úteis, a norma é prescindir dos básicos valores éticos e civilizacionais. Dos valores cristãos aos valores republicanos, afinal os fundamentos desta Europa.

(...)

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