quinta-feira, 28 de março de 2013

Bizarrias e outras ousadias dos ricos: falta de senso ou anteparo do Poder?


Aparentemente, não se percebe o que levou, nos últimos tempos, importantes figuras do poder económico a arriscarem a imagem de prestígio (associada ao sucesso) que ostentam na opinião pública, a terem de se expor através de ‘ousadas’ afirmações sobre a grave situação actual do País. Do muito glosado ‘ai aguenta, aguenta’ de Ulrich, às deambulações filosóficas em torno da subsidiodependência, do ‘mamar na teta do Estado’ de Soares dos Santos ou à mais recente defesa de baixos salários por parte de Belmiro, tudo parece permitirem-se estes expoentes de estrénuo patriotismo e inexcedível solidariedade. Porque dificilmente ignoram as reacções que as suas palavras provocam, sobretudo num momento em que a maioria (a que eles não pertencem) passa por enormes dificuldades e carências. O que pode levar então pessoas a que não falta nada (nem sequer um pouco de inteligência), a demonstrarem uma tão aparente falta de senso? A optarem pela afronta gratuita e a provocação inútil? A assumirem uma ostensiva defesa do sistema contra a própria lógica dos seus interesses imediatos?

Entretanto e após dois anos de políticas deliberadas de uma brutal austeridade, comandadas pelo famigerado ‘memorando da troika’, perante o já iniludível fracasso dos objectivos a que se propunham, surge agora a mais surpreendente das explicações pela boca do núcleo responsável pela sua elaboração e execução: afinal o memorando original foi mal desenhado, o que explicaria o desastre dos resultados! Primeiro o inconstante deputado Frasquilho, depois o enfadonho ministro Gaspar, por último o nutrido gestor Catroga – o mesmo que, em 3 de Abril 2011, afirmava que ‘a negociação do programa de ajuda externa (o dito memorando) foi essencialmente influenciado pelo PSD’! – todos à uma garantem existirem erros no ‘desenho original’ (!) do programa.

Sendo este mais um peculiar contributo do ‘economês’ – já tínhamos a ‘engenharia financeira’,... – deste episódio sobra sobretudo a desfaçatez que caracteriza a impunidade da pandilha. Já não bastava terem destruído a vida de muitas pessoas com a política que deliberadamente impuseram ao País, faltava-lhes empurrar a culpa dos maus resultados para o desenho mal feito (!), invocar a falta de jeito de ‘alguém’ (?) na concepção do modelo para o agora assumido aborto. E sobressai ainda a rubicunda cara de pau de Catroga, confesso participante na orgia que gerou tal aborto, mas recusando assumir responsabilidades na consumação do indecoroso acto, sacudindo a água do capote, sem que a lógica do raciocínio o leve a enjeitar a disforme criatura, ou seja, a austeridade.

A explicação para o coro estrategicamente coeso, determinado e uníssono em torno da tese oficial do ‘não há alternativa’ a esta austeridade, tem a ver, por um lado com a sensação do enorme poder de que desfrutam, suficiente o bastante para impunemente dizerem o que pensam – o que pensam melhor poder servir os seus interesses! – sem receio de graves consequências pessoais; por outro, com o melindre do momento e a consciência de que, detendo esse poder, chegou a hora de darem a mão ao fragilizado poder político que afinal tanto os tem mimado (na terminologia de Warren Buffet, o 2º mais rico do mundo).

Numa altura em que os acontecimentos relevantes tendem a acelerar o seu ritmo (contínua degradação dos indicadores económicos e sociais, crise de Chipre, decisão do TC,...) e ameaçam precipitar, no seio da UE, um desfecho de todo imprevisível, mas onde ainda são possíveis todos os cenários – incluindo a indesejada mas cada vez mais provável implosão do Euro, difícil de evitar se algum país se vir obrigado a sair dele – os diferentes grupos económicos tomam posição na defesa dos seus interesses específicos. Porque ‘eles’ sabem que, se o edifício ruir, são quem tem mais a perder, sobretudo agora e após observarem que até o paraíso fiscal sediado na suposta fortaleza de Chipre se demonstrou refúgio pouco seguro para os irrequietos capitais errantes que vagueiam pelo mundo das aplicações especulativas – e por isso puseram o planeta à beira do precipício.

Em contrapartida, quem tem pouco ou nada, pouco ou nada perderá, embora ‘eles’ confiem, alicerçados em milénios de experiência, que as pessoas dificilmente arriscam com receio de perderem o pouco que têm. Mas o desespero para onde estão a ser empurradas milhares delas pode alterar este cálculo e precipitar um desfecho não desejado. É a observação histórica que se encarrega também de o confirmar!

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