segunda-feira, 28 de maio de 2012

Hoje e ninguém


ninguém, hoje, dá um centavo (convertendo para o Euro: metade de um centésimo do cêntimo!) pela continuidade de Relvas no Governo. Mesmo entre os seus mais indefectíveis se considera chegado o momento, perante a sucessão de trapalhadas, escândalos e atropelos às normas democráticas, de uma remodelação governamental – antes que a casa venha a baixo! O que ninguém arrisca prever é o que se passará a seguir, ou seja, se o próprio 1º Ministro será capaz de sobreviver à saída desta sua ‘eminência parda’ e ‘factotum’, desta caricatura de um serôdio Mazarino! É bom relembrar que os dois estão tão umbilicalmente ligados na vida política que não se sabe mesmo se é Passos que segura Relvas, se é este que suporta Passos!

Do que já ninguém duvida é da intricada teia de relações que se adivinha por trás de algumas das recentes descobertas no denominado ‘caso das secretas’, bem reflexo do escabroso emanharado de interesses tecido ao longo sobretudo das três últimas décadas, suportado no discurso neo-liberal dos ‘mercados livres’ e em toda a panóplia ideológica que o envolve – da liberalização à desregulação, deslocalização, globalização,... – tudo justificando a nova escalada no processo de acumulação do capital, à custa (já ninguém tem dúvidas, hoje) da brutal transferência de valor do trabalho, pelo recurso aos mais diversos meios, da corrupção ao compadrio, à especulação... Em benefício exclusivo de uma casta de ‘boys’ (das mais diversas proveniências: de Chicago à U. Nova, dos diferentes tipos de ‘maçonarias’ às várias espécies Goldman Sachs,...), cada vez mais minoritária, mas também cada vez mais encarniçada em defender os privilégios alcançados com esta política.

Portugal é tratado como gigantesca abstracção, reduzido a modelo estatístico para ser trabalhado ‘devidamente’ em laboratório, modelado ao sabor dos objectivos pré-definidos pela ideologia da clique dirigente. As pessoas reais, essas, das duas uma: ou são rejeitadas e excluídas por manifesta inadaptação aos parâmetros do modelo (desempregados e outros ‘inadaptados’); ou se encaixam e adaptam, sabendo, no entanto, que apenas uma escassa minoria pode aspirar aos benefícios que o modelo generosamente concede ao escol seleccionado (não mais de 10% do total). Em qualquer caso, a imensa maioria está tramada: ou é excluída liminarmente (integrando o exército de reserva laboral) ou é reduzida à condição subalterna de apoio, quando não adorno, à elite de privilegiados.

Teia de relações que se estende a nível global, bem visível, em especial, no completo desvario em que caiu a política económica europeia. O mais recente desses ‘desvarios’ aconteceu (só podia!) na Alemanha (a mesma onde ainda não há muito havia sido criado um incrível fundo de investimento ‘apostando’ na... morte!), agora com a peregrina (?) proposta da criação de ‘regiões económicas especiais’, versão actualizada dos famigerados ‘off-shores’, os tais que, no auge da crise do ‘sub-prime’ e perante a derrocada eminente do sistema, se dizia (Sarkozy, por exemplo) deverem ser regulados ou até extintos! – dando origem ao mais descarado recuo político destes acagaçados títeres logo que se constatou ser exagerada a notícia da anunciada ‘morte do sistema’!

Sem dúvida, o que melhor caracteriza a política, hoje, é essa desesperada fuga em frente – já ninguém alimenta ilusões, mesmo no grupo de ‘boys’ beneficiado pelos interesses gerados no caldeirão desta desregulada liberalização (gestores, dirigentes, especialistas,...) – em direcção ao abismo! Neste ‘salve-se quem puder’, não surpreende o tom ligeiro e quase displicente como são recebidas e explicadas as conhecidas ‘gafes’ de Passos, atribuídas a alguma inexperiência na comunicação política. Vendo bem, contudo, todas elas – o conselho aos jovens para emigrarem, o empobrecimento inevitável, a pieguice ou o desemprego como oportunidade, para apenas falar das mais mediáticas – mais não são que citações dos manuais da economia liberal, bem sintomáticas, no entanto, do corte com a realidade em que, de forma assumida, este Governo se encontra, crendo deste modo poder atingir ‘a glória’ no final do que propõem seja uma longa e penosa caminhada (assim mesmo!). A ‘ideologia da gafe’, afinal, encerra assim todo um programa político!

De igual modo, o súbito interesse da Lagarde (do FMI) pelas condições miseráveis dos ‘pretinhos da Guiné’ (ou do Níger, ou...) constitui ‘apenas’ mais um grosseiro insulto – pelo ofensivo despropósito, pela insolente hipocrisia, até pelo irrealismo ignorante – às condições escravas impostas pela ‘troika’ (do FMI) à Grécia. A injúria atinge, de igual modo, todos os europeus tratados como servos por esta nova nomenclatura financeira que se arroga o direito de mandar na democracia, colocando-a, sem despudor, antes com grande farronca, ao serviço dos seus interesses particulares. Mas insere-se na mesma lógica da ‘ideologia da gafe’: desfasada da realidade, empenhada num programa político de defesa das regalias alcançadas, mesmo que isso implique a destruição das condições de sobrevivência do próprio sistema. Em suma, da sua própria destruição. 

quinta-feira, 17 de maio de 2012

O ‘lebensraum’ dos mercados


Com o termo da II Guerra Mundial e a derrota da Alemanha nazi pensava-se enterrada, senão de vez pelo menos por longo tempo, a teoria do ‘espaço vital’ (lebensraum) que havia estado na génese e servido de argumento (?) para o expansionismo germânico que conduzira à guerra. A própria construção europeia tinha sido iniciada e pretendia actuar como tampão a quaisquer formas de expansionismo, político ou militar, no pressuposto de que era possível e até necessário, após duas conflagrações tremendas a que havia sido sujeita, construir uma Europa única, complementar e solidária (nomeadamente através das políticas comuns regional e social), na diversidade das suas pátrias.

A bondade destes propósitos e o indubitável romantismo dos ‘pais fundadores’ cedo se deparou com as exigências de uma realidade económica dominada por um sistema que se afirma tanto mais eficaz quanto mais espontâneo e liberto de condicionalismos, legais ou outros. De tal modo que, perante a lei do mais forte (o seu princípio basilar), as próprias normas comuns, supostamente neutras e estabelecidas em nome da comunidade de países que a integram, acabam por favorecer os mais poderosos e actuar como colete de forças, quando não mesmo como garrote, dos mais débeis e pequenos.

Demorou pouco a tudo isto ser entendido e, de forma algo estranha, aceite por todos. Políticos e comentadores políticos repetem à exaustão que ‘a realidade é o que é (?) e contra isso nada se pode fazer (!!!)’ (a espúria tese do inevitável e da correlativa ausência de alternativa!). Mais estranho ainda, porém, a parola mas canhestra tentativa de, perante a adversidade, cada um tentar descolar da desgraça alheia, calculando assim melhor poder salvar-se: Portugal não é a Grécia, a Espanha não é Portugal,... Salta-nos à memória o ‘velho’ poema de Brecht: ‘primeiro levaram os comunistas, mas como não era nada comigo, eu não me importei...’ E assim sucessivamente até ser eu a vítima escolhida... quando já não restava mais ninguém a quem recorrer!

Afigura-se oportuno aqui recordar a já ‘gasta’ frase de Marx, quando afirmava que ‘a História repete-se: primeiro como tragédia, depois como farsa’. No contexto da presente crise europeia, denominada das ‘dívidas’ (dívidas resultantes, em boa medida, do financiamento público da crise ‘sub-prime’ gerada pela desregulação financeira!), parece quase irresistível (porventura historicamente abusivo), a transposição para a evolução dos acontecimentos que antecedeu precisamente a II Guerra Mundial, com a agressão da Alemanha por trás da teoria do ‘espaço vital’: primeiro a Áustria (sem reacção séria por parte dos países democratas), depois os Sudetas (com o vergonhoso Acordo de Munique), por fim a Polónia – e só aqui a democracia reagiu, mas já sem tempo para evitar a guerra.

A evolução actual dos acontecimentos parece seguir o mesmo padrão: então a expansão foi feita em nome da ideologia nazi, apoiada na teoria do ‘espaço vital’, protagonizada por uma nação concreta – a Alemanha – utilizando meios bélicos, materiais e humanos, de dimensão nunca antes vista; agora a expansão é feita em nome da ideologia liberal, baseada na tese da ‘austeridade inevitável’, protagonizada por uma entidade abstracta – os misteriosos mercados (com tradução concreta, é certo, no poder financeiro dos Bancos, Fundos, Seguradoras,...) – utilizando furtivos veículos financeiros, os famigerados ‘off-shores’.

A teoria do ‘espaço vital’ parece feita à medida das exigências dos mercados/capital, cuja vitalidade depende da sua expansão/acumulação contínua, feita à custa da transferência agressiva de valor do trabalho. Prestes a consumar-se, por estes dias, mais um desfecho desta agressão: em ambiente quase bélico, anuncia-se o ‘ausschluss’ da Grécia (desta feita não por anexação, mas pela sua exclusão do euro), seguir-se-á Portugal, depois a Espanha... Parece esquecida a longa tragédia que constituiu a Guerra Mundial (em dois episódios) no séc. XX, a história volta, pois, a repetir-se, desta vez como farsa infame! Quando é que os democratas, países e pessoas, entenderão dever intervir para salvar – como em 1939! – a democracia?

Até agora a maior dificuldade tem estado na ausência de uma alternativa consistente de esquerda à narrativa liberal da ‘austeridade inevitável’. Talvez os sinais mais promissores nos cheguem do actual elo mais fraco comunitário, porventura menos do messiânico Hollande (os próximos dias serão esclarecedores). Apesar da enorme chantagem eleitoral que já se abateu sobre os gregos (por parte da Alemanha, claro, do próprio PCE Barroso,...), fiquemos atentos, pois, à evolução política na Grécia – afinal o berço da democracia! 

quarta-feira, 9 de maio de 2012

A esperança, por entre enigmas, dilemas e piruetas


Têm vindo a ganhar consciência na opinião pública, para além de todas as tentativas de os ocultar ou manipular, dois verdadeiros enigmas. O primeiro, de difícil aceitação, diz respeito à pirueta traduzida na forma como as ideias políticas na origem da crise surgem agora a liderar a via para a resolver. De como da crescente desregulamentação financeira que, em 2008, colocou o capitalismo à beira do colapso (na expressão dos seus mais indefectíveis defensores), se passou à defesa acérrima (traduzida na prática política dominante na UE e em Portugal) da total liberalização económica como única alternativa para o salvar!!!

Este evidente passo em frente em direcção ao abismo, apresentado como inevitável e redentor (‘não há alternativa à austeridade!’), talvez possa ser explicado pela cegueira ideológica do poder dominante liberal que o impede de ver as consequências das políticas que advoga e leva à prática, já em desespero perante o descontrolo – económico, social e político (aí está de novo o nazismo) – a que conduziram tais políticas. Mas o que não se explica é a aparente passividade das pessoas perante as medidas que lhes roubam direitos e ameaçam o seu futuro em nome de uma vaga promessa de estabilidade (?) num cenário longínquo e de alcance que se sabe já impossível.

E daqui nasce o segundo enigma: como é possível, perante o descalabro da situação actual e os efeitos negativos sobre a vida das pessoas (evidenciados em diversos indicadores, mas sobretudo nos números do desemprego), não ter ainda ocorrido nenhuma explosão social grave, como chegou a antecipar-se logo que a crise se anunciou? A degradação do nível de vida ou a erosão das classes médias, cada vez mais ‘proletarizadas’ e reduzidas na sua dimensão, não constituem, por si só, razão suficiente para a revolta? Olha-se à volta, aqui ou noutros lugares (da Europa, em especial) e os sinais não apontam nesse sentido. A sensação geral é de enorme desconforto, talvez de sofrida resignação perante o desenrolar inexorável de uma catástrofe anunciada, mas não se vislumbra a esperada convulsão social, aparentemente está-se longe do estado de agitação. Por vezes, é certo, bastam pequenos rastilhos, débeis pretextos, para se revelar a indignação, se propagarem tumultos, se desencadear a rebelião. Como as árabes do início de 2011, por exemplo.

A explicação do que se passa nos países em crise da Europa, contudo, em que, não obstante alguma agitação mais localizada, tudo parece controlado, deve ser encontrada, antes de mais, no papel que os partidos social-democratas e socialistas europeus, rendidos ao liberalismo na versão da denominada “3ª via blairista”, têm vindo a assumir perante os seus eleitorados e a opinião pública em geral, na acomodação de um processo cujo desfecho inevitável parece conduzir à eliminação do Estado Social. A aceitação da via austeritária que a tal conduz, imposta pelo pensamento único do poder liberal, não seria possível sem a sua intervenção, seja directa quando no poder (Reino Unido, Portugal, Espanha, Grécia,...), seja de forma complacente e submissa quando remetidos para a oposição (descontado o efeito da truculência estéril de alguns discursos).

Uma alternativa política para a saída da crise actual – exigência que parece cada vez impor-se mais na própria opinião pública – depara, no caso português, com o dramático dilema em que a solução se encontra presa no problema que a originou (ou pelo menos a permitiu)! É que se não parece possível resolver a situação com este PS, afigura-se de igual modo impossível, por enquanto, encontrar uma saída sem este PS. Estaremos de novo pendentes de mais uma pirueta? A entrevista de Mário Soares ao ‘I’ (8/Maio), aconselhando o PS a romper o acordo com a troika, é muito elucidativa (mesmo reconhecendo que, hoje, o peso das opiniões do histórico socialista é meramente simbólico e de pouca eficácia no seio da actual liderança do partido)!

Resta então ver até que ponto os resultados das eleições francesas – considerando as promessas do eleito presidente socialista Hollande... – e das gregas – com a rejeição unânime da austeridade num contexto de ingovernável fragmentação eleitoral – introduzem, neste contexto, alguma novidade. Para já soou o alarme nas hostes liberais, sucedem-se as declarações dos responsáveis pela condução do actual poder insistindo no cumprimento dos acordos firmados, prevenindo desde já eventuais ondas de choque do ‘mau exemplo’ grego. Indisfarçável o nervosismo dos famigerados mercados, tanto como o dos comentadores habituais que, sem perderem a arrogância que o acesso ao poder lhes confere, se foram posicionando entre a displicente desvalorização e a avaliação negativa dos resultados (ainda assim maiores concessões ao ‘bico-de-obra’ grego!).

Mesmo que o gesto de Hollande não passe, para já, disso mesmo, de um gesto apenas, abre-se uma brecha para uma nova dinâmica nos próximos tempos. Afinal nem tudo está perdido!