Não fora o óbvio significado por trás da pose hirta e
muda, tornar-se-ia deveras caricato, porventura até hilariante, o ritual que
por estes dias e a todas as horas as televisões nos impõem de um bando de
pessoas, a que se convencionou chamar ‘troika’, movimentando-se de um
lado para o outro, aparentemente apenas para, através dos ecrãs, nos recordarem
a missão que cumprem. Não se apresentam de fraque, mas tudo o resto condiz com
o estereótipo construído em torno dessa indumentária, no caso actuando em nome
dos credores externos de que são meros mandatários. E, sobretudo, em nome dos
que a nível interno, por conta de uma ideologia que ameaça a sustentabilidade
do planeta e escondidos atrás de tão sinistras figuras, de forma explícita se
propõem, sem olhar a meios (custe o que custar) nem a métodos
(não há alternativa), empobrecer o país (pois, dizem, vive
acima das suas possibilidades) e destruir a vida das pessoas – na
expectativa pessoal de garantirem, no imediato, o conforto das suas e a
prosperidade dos seus!
Certo é que à sombra das ditas ‘imposições da troika’,
avança e implanta-se o programa neoliberal. É hoje mais que evidente
(confirmado por notícias vindas a público há alguns meses) que o conteúdo do
famoso memorando de entendimento foi preparado pelo ‘think tank’
neoliberal local, constituído essencialmente pelos respectivos núcleos da U.
Nova e da U. Católica, que terão feito chegar à troika as medidas que, em seu
entender, importava aí incluir. Afinal o famigerado plano de reformas que
alguns dos habituais comentadores se apressaram a atribuir à agilidade mental
dos senhores da troika – por haverem conseguido gizar em apenas cerca de um mês
documento tão minucioso, revelando um conhecimento específico notável! – fica a
dever-se (o seu a seu dono), não à inspiração divina da entidade externa, mas à
pindérica (mas bem nutrida) ‘intectualite’ neoliberal interna e à sua agarotada
versão política no PSD de Passos.
A realidade, porém, teima em destoar dos bem elaborados
modelos teóricos, as políticas de austeridade têm-se saldado por resultados
desastrosos a todos os níveis. A lógica desumanizada das estatísticas – usada
como instrumento de propaganda pelos Governos na defesa das suas opções políticas
– ameaça transformar-se, ela própria, na via sacra de um longo martírio. Antes
de mais, é certo, para as vítimas reais de tais elucubrações, os desempregados,
mas agora a manipulação dos números parece querer voltar-se também contra os
seus próprios fautores. Perante a dimensão, estatística e sobretudo humana, do
descalabro a que conduziu tal política e à medida que se vai percebendo que até
a meta central do déficit público ficará muito longe do objectivo, cresce, um
pouco por todo o lado, a exigência em se conhecerem os responsáveis pelo
rotundo falhanço. Para o PS falhou o Governo, para o Governo a culpa ainda é do
passado (reduzindo este ao ‘desaparecido’ Sócrates). Já o PR responsabiliza a
troika por não saber fazer contas! E até esta obscura entidade desta vez não
aguentou ficar calada e clama que a responsabilidade não é sua, é do Governo.
Este bizarro exercício de passa-culpas, contudo, não pode
iludir o dado que mais importa realçar: a famigerada agenda liberal, há
muito programada, finalmente encontrou as condições ideais para ser executada e
está a concretizar-se de forma célere e eficaz. E sob os escombros do destruído
Estado social e do liberalizado mercado do trabalho pretende erguer-se a utopia
de uma sociedade liberta da opressão do Estado – a teoria do Estado mínimo –
seja da opressão totalitária (política) ou da simplesmente burocrática (no vão
pressuposto de assim acabarem os gastos supérfluos!). Porque é o Estado mínimo
o garante do ambiente propício à expansão dos seus interesses e negociatas.
A irracionalidade do modelo vai ao ponto de, perante a
‘rigidez’ dos resultados obtidos (ou a dificuldade da realidade em se ajustar à
teoria), ter sido sugerido à Grécia pela respectiva troika, o aumento do
tempo de trabalho para seis dias por semana – numa altura em que o
desemprego já ronda os 25% (1/4 da pop. activa grega!). Mais que a ignóbil
provocação, o que a formulação de tal proposta indica é o desnorte destes
políticos liberais, pois a concretização deste modelo não parece estar a resultar
como os seus teóricos o terão idealizado e ardentemente desejado.
Daí o desesperado recurso à imposição de medidas que
representam um retrocesso histórico monstruoso. Ao arrepio até da única que
poderia inverter, de forma racional e sustentável, a tendência crescente de
desemprego – a redução do tempo de trabalho – mas que, nas condições
actuais, envolve uma impossibilidade, pois isso implicaria desviar os recursos
que alimentam o exclusivismo dos seus requintados modos de vida, de que
voluntariamente nunca irão prescindir.
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