Começa a ser consensual a percepção de um ‘antes’ e
um ‘depois’ do 15 de Setembro passado, que as enormes manifestações
ocorridas nesse sábado introduziram um corte decisivo na política portuguesa. É
cedo ainda para se perceber, no entanto, todo o alcance desses acontecimentos,
até porque nada ainda de substancial se alterou indo de encontro aos objectivos
visados por essas manifestações – essencialmente apontados à actual política de
austeridade e ao propósito explícito de levar as pessoas a empobrecer, sob
pretexto do cumprimento dos compromissos financeiros externos – para além de
difusas intenções políticas e da referida percepção geral. A situação parece
longe da estabilidade, os acontecimentos sucedem-se de forma ainda pouco
perceptível ao observador comum.
Mas uma conclusão parece desde já possível extrair,
sobretudo a avaliar pelos resultados de recente sondagem, posterior ao 15 de
Setembro: é manifesto o divórcio dos portugueses com os seus políticos e
desponta o risco de a própria democracia poder ser posta em causa (87% dos
inquiridos revelam-se desiludidos com ela!). Não sendo de admirar tal divórcio,
nas actuais circunstâncias, assusta a dimensão radical do fenómeno. E apela a
uma reflexão séria não só por parte dos agentes políticos mas de todas as
pessoas minimamente empenhadas.
E a primeira conclusão, hoje quase unânime (excepção aos talibãs
neoliberais!), é a de que a via seguida até aqui se encontra esgotada: a
via da austeridade – e das ditas reformas estruturais, visando essencialmente a
desvalorização do trabalho – imposta como alternativa única e inevitável para
se reduzirem os elevados défices externos e se recuperar a credibilidade
financeira perdida, tendo em vista o acesso, em condições normais e tão rápido
quanto possível, aos famigerados ‘mercados’.
Os resultados obtidos, após dois anos de políticas
centradas na obsessão austeritária, são bem conhecidos (e, na surpreendente
perspectiva neoliberal, ‘imprevistos’!): para além da inevitável depressão económica,
da consequente destruição de empregos e da contínua – e insuportável –
degradação dos níveis de vida, o efeito perverso de tais medidas
estende-se – pasme-se! – ao seu objectivo central, a redução dos défices, que
não foi atingido. Perversidade que atinge até o seu maior êxito: o
alardeado equilíbrio da Balança Comercial é conseguido sobretudo, do lado das importações,
à custa do esmagamento do consumo – do nível de vida das pessoas; do lado das exportações,
pelo aumento extraordinário das vendas de ouro – a que as famílias recorrem
para sobreviver!
Já em desespero, o poder talibã preparava-se
para agravar ainda mais a austeridade – incluindo uma obscena transferência
directa de recursos do trabalho para o capital, através da TSU – quando o
povo decidiu dizer: BASTA! O poder tremeu, mas não caiu. Preso aos seus
compromissos externos (troika) e internos (a rede de interesses servida pela
ideologia neoliberal), ensaia agora um atabalhoado recuo, ciente de que se o
não fizer, alienará definitivamente todo o suporte popular. A alternativa da austeridade
aparecerá maquilhada, mas seguramente irá procurar manter o essencial:
o programa de reformas estruturais visando a desvalorização do
trabalho e a destruição do Estado Social.
É neste contexto que, não por acaso, surge uma oportuna
iniciativa, programada muito antes do 15 de Setembro, mas cujo calendário foi
fixado para coincidir com um Outono que há muito se adivinhava quente: o Congresso
Democrático das Alternativas que, tal como o nome indica, busca alternativas
ao caos instalado. Que vão da ‘simples’ renegociação do memorando de entendimento,
ao rompimento com a troika, até à mais radical saída do Euro. Mas
importa ter presente, neste processo, que a discussão e proposta de modelos a
apresentar não pode, não deve, confinar-se ao domínio económico, arrastados ou
não pela crítica às alternativas ditadas pelo poder, pois a solução da
crise actual é antes de mais política, tanto ao nível do envolvimento
democrático das pessoas quanto das áreas de actuação, nomeadamente a da urgente
reorganização social do trabalho, como já por diversas vezes aqui
se chamou a atenção. À austeridade para empobrecer não pode corresponder apenas
o crescimento pelo consumo – ao neoliberalismo não pode suceder um novo
keynesianismo – porque se ‘esta austeridade’ se tornou insuportável e
ineficaz, ‘este consumismo’ demonstra-se insustentável.
Mesmo admitindo no imediato o recurso a medidas de carácter
expansionista, como forma de ocorrer às extremas necessidades actuais das
pessoas (desemprego, em especial), não deve perder-se de vista que a solução
passa, antes de mais, por se encontrar uma alternativa política global
ao instalado domínio absoluto dos mercados (mais ou menos autorregulados).
Sintomática a perversa apropriação do termo ‘austeridade’ como
suporte à política para ‘empobrecer’: o sentido de frugalidade e recato, avesso
ao desperdício e à ostentação, que normalmente se lhe associa e lhe dá
conteúdo, visa aqui, sob a capa de virtude incontestável, a aceitação acrítica
das políticas contra o trabalho e o Estado Social.
1 comentário:
Calma, deixar cair a democracia é complicado, no entanto porque não seguir o modelo Filandes, "correr com todos os puliticos que até agora estiveram no poder no pós 25 de Abril.
Escolher cidadãos sem manchas, sem compromissos com os empresários abastados, se preciso for porque não uma união Europeia dos países menos abastados, os germánicos e franceses que vendam os seus mercedes, b m w, porches, renalt...
As fabricas de armamentos, incluindo os estaleiros de subemarinos, que trabalem para os seus próprios mercados...
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