A obsessão pela dívida e pela via da austeridade como
solução inevitável e única (a tese do ‘não há alternativa’) para a
mesma, conduziram o projecto europeu à beira do fracasso. O Euro
– sente-se – está preso por um fio e os comentários actuais dos sempre
disponíveis serventuários do regime (seja qual for a tendência que o
caracterize) centram-se, num quase orgíaco ritual necrófago, em sofregamente
anteciparem o momento da sua extinção, mais do que em delinearem alternativas
ao caminho que nos conduziu aqui.
Do outro lado, mais avisados e recorrendo ao sempre
salutar exemplo da História (o exemplo da Grande Depressão é cada vez mais
invocado para justificar uma alternativa à conduta seguida), renascem as
teorias keynesianas para dizerem que tudo o que tem estado a ser feito até
agora na Europa para sair da crise, através da imposição da referida via
austeritária e contracionista, tem sido precisamente o contrário do que deveria
ter sido feito: aposta decidida numa política expansionista, como no início da
crise, então para acorrer ao colapso provocado pelas despesas e dívida
privadas, agora no investimento público para relançar a procura e combater o
desemprego. Em conformidade, o resultado é o agravamento da crise e, caso nada
se altere, o inevitável desfecho do fracasso anunciado.
Uns e outros, porém – os que têm aprofundado a crise (pela
via da austeridade punitiva ou redentora) ainda que digam pretender sair dela,
e os que peroram sobre modos alternativos para a ultrapassar – todos parecem
ignorar um aspecto que, por força da crise, mais evidente se tornou: a
escassez de recursos. Os obcecados pela dívida, é certo, falam em escassez,
mas apenas dos recursos financeiros, delapidados num ápice, sabem-no bem, após
o rebentar das bolhas imobiliárias (EUA, Irlanda, Espanha,...), como forma de
suster o inevitável contágio à Banca (para onde foram canalizados então todos
os recursos disponíveis) e, por fim, na crise social que se lhe seguiu e nas
crescentes ajudas públicas que tem exigido.
Do que aqui se fala é, pois, da escassez de recursos
naturais, todos os dias mais evidente, mas agora ainda mais exposta pela
própria sequência da crise e seus efeitos na produção e comércio alimentar. A
crise poderia então ter actuado como aviso para os limites com que estamos
confrontados, servido de plataforma para se questionar a tese do ‘crescimento
contínuo’ a que o sistema capitalista obriga (e sem o qual as crises se
instalam), para tornar consciente a necessidade de se evitar o desperdício.
Para impor a lógica de uma mais racional gestão global e individual da riqueza.
Mas assiste-se exactamente ao contrário: todos os discursos destacam a
importância do crescimento como única solução para a crise; sob pretexto de se
reduzir a despesa, corta-se nos direitos essenciais (e, de algum modo,
legitima-se o desperdício); fomenta-se a concentração da riqueza em lugar da
sua indispensável maior redistribuição.
Enquanto os austeritários conduzem o Mundo, através
das políticas impostas à Europa, para um colapso de consequências imprevisíveis
(ainda que a pretexto do que designam por ‘austeridade expansionista’, crentes
na retoma económica associada à confiança restaurada por via dos cortes na
dívida), as medidas propostas pelos keynesianos, a ser adoptadas (e
parece cada vez mais difícil que o sejam, pois isso implicaria aos ‘instalados’
abdicarem dos privilégios conquistados – ou extorquidos?), os seus efeitos não
tardariam a esgotar-se, com o mundo a mergulhar em nova crise. Só mesmo uma
radical inversão da orientação económica actual poderá abrir perspectivas para
uma saída sustentável desta situação.
As ‘economias livres de mercado’ (melhor dizendo, de ‘mercado
livre’!), como se sabe, entram em crise quando param de crescer ou
crescem abaixo de um determinado limite (em regra, superior a 1%), mesmo sem o
auxílio de outros factores, como sucedeu na actual. Era tempo, pois, face à
experiência histórica anterior e ao que a teoria já consegue explicar, de se
encontrar uma forma de escapar à armadilha do crescimento contínuo de
que se alimenta o sistema capitalista – em oposição aos limites naturais do
planeta. Que terá de passar, inevitavelmente, pela alteração radical da
organização social baseada na relação salarial e no mercado do trabalho,
procurando ajustá-la às exigências tecnológicas actuais e às necessidades reais
das pessoas e das sociedades. Mas isso equivale por dizer ter de se apostar,
por exemplo, numa forma radicalmente diferente de gestão do tempo de
trabalho – tema já inúmeras vezes aqui trazido, mas em que nunca é demais
insistir.
1 comentário:
Sanida Corretora de Seguros
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