Já não há como iludi-lo. Cada vez ganha mais consistência
na realidade vivida a dúvida generalizada sobre a bondade das medidas postas em
prática para debelar ‘a crise’. Os resultados prometidos com a
austeridade imposta não foram alcançados, os efeitos colaterais demonstram-se
desastrosos sobretudo a nível do crescimento e do emprego, mas o mais
lamentável é que o próprio objectivo prosseguido de equilíbrio das contas
públicas não foi atingido, antes – pasme-se – se agravou! Cresce a convicção de
que tudo o que tem vindo a ser feito é apenas a continuidade de práticas
antigas, afinal está a procurar-se resolver o problema com o receituário que o
criou. Ao mesmo tempo, cresce, igualmente, a sensação de que se torna
necessário mudar as velhas fórmulas que conduziram o mundo ao
estado em que ele se encontra, inventar novos métodos, porventura até um modo
de vida diferente.
Não há nada mais deprimente do que ver os economistas
(políticos ou académicos) procurarem, afanosos, resolver a crise com os
mesmíssimos meios que a provocou. E, assim, multiplicam palpites sobre a
reanimação da economia, desdobram-se em sugestões sobre os necessários
estímulos às empresas (estímulos encarados de forma diferente, conforme as
tendências e as escolas), lançam apelos ao empreendedorismo (conceito que se
transformou numa espécie de abracadabra dos tempos modernos). A maioria deles,
reduzidos à função de meros contabilistas, manuseiam números e estatísticas cuidando,
deste modo, estar a intervir na realidade, procurando moldá-la às suas próprias
convicções e desejos, não se coibindo, pois, de anunciar a saída da crise para
mais ou menos breve. Afinal, não fazem as crises parte integrante do
desenvolvimento do capitalismo?
Quando em 2008 a crise rebentou, súbita e violenta (apesar
dos prolongados ‘ameaços’, ninguém se atreveria a augurá-la tão agressiva), a
sensação geral após a queda do Lehmann’s foi a de que tudo poderia então
acontecer, incluindo a derrocada do sistema. Cedo se constatou
que ‘esta crise’ não era como as outras, ou apenas mais uma ‘vulgar’
crise de crescimento, ‘esta crise’ punha ela própria em causa o
crescimento. Não obstante o enorme incremento da produtividade – e
seguramente por causa dele – sucessivas crises foram sendo desencadeadas: com a
subida dos custos de capital das empresas, a eliminação de postos de trabalho,
consequente aumento do desemprego, redução da procura (agravada pela destruição
da alternativa do crédito),... E sem crescimento, já se sabe, o capitalismo não
sobrevive.
Acresce ainda o facto de ‘esta’ crise económica
se conjugar com uma crise ambiental (ou ecológica) e uma crise
de recursos (ou a crescente consciência de que estes são limitados, por
natureza, a começar na cada vez mais sensível crise energética). É esta
conjugação de ‘crises’, de repente transformada numa imensa crise social
global, que permite a percepção de se estar em fim de época,
de que se torna necessário questionar a dinâmica e os parâmetros básicos em que
assenta toda a vida social, de se caminhar para outro modo de vida,
cujos contornos, porém, se torna impossível descortinar, para já.
Neste contexto, a insistência nas velhas fórmulas, contra
todas as lógicas, incluindo a da sobrevivência, numa aparente descontrolada
fuga para a frente, tem o sentido da defesa, ainda que suicidária, dos
privilégios alcançados pelas elites no poder e que dificilmente aceitarão
perder de forma voluntária. Pode até representar uma desesperada falta de
alternativa, mas não augura nada de bom para o futuro. Não só agrava todos os
problemas que se propõe e pretende resolver – tanto a nível económico,
quanto ambiental, social,... – como sobretudo implica um
retrocesso em algumas tentativas que vinham sendo desenvolvidas – no domínio
das energias renováveis, na preservação dos recursos, na protecção
do ambiente, até na evolução da tendência para o decrescimento,... –
com vista à exploração de vias alternativas às desgastadas fórmulas que nos
trouxeram até aqui, permitindo, a seu tempo, um salto menos atribulado para um novo
paradigma de organização social.
Ainda que o não saibam (fingem não o saber), o mundo
‘deles’ já acabou. Esforçam-se por o conservar, reparar-lhe os rombos,
porventura venderão cara a mudança. O futuro ir-se-á construir, é quase certo,
sobre o monte de escombros que resultar deste obstinado desvelo na defesa desse
mundo em extinção. Porque muitas das nossas sedimentadas certezas, muito do
adquirido cultural sobretudo ao longo dos dois últimos séculos com a implantação
e domínio da sociedade de consumo, está já a ser posto em
causa. A começar pelo que de mais estruturante tem a sociedade, a organização
do trabalho: a redução drástica do tempo de trabalho permitida pelos
actuais níveis da produtividade, conduzem à lógica da redistribuição do tempo
disponível na sociedade, impõem uma nova organização do trabalho. O que
passará seguramente, apesar das resistências e das explicações ‘metafísicas’ da
auto-regulação, pela inversão da tendência que agora se pretende impor de
aumento do tempo de trabalho – à revelia desse incremento da produtividade. O
resultado pode bem ser o fim da actual sociedade do
trabalho.
Sobre o que aí virá, ainda ninguém o consegue antecipar. Será a dinâmica
social a determiná-lo!
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