A Greve Geral do dia 22, se
avaliada apenas pelos seus aspectos meramente quantitativos, saldou-se, como
era já esperado, por um relativo fracasso. Mesmo sem os números da mesma (desta
vez nem a CGTP nem o Governo adiantaram quaisquer valores), a adesão à greve
ficou muito aquém do que seria expectável atento o carácter de paralisação
geral. Já sobre a mobilização e consciencialização conseguidas nos muitos
sectores de actividade envolvidos, bem como a sua projecção mediática, os
efeitos podem revelar-se positivos. O próprio nervosismo da polícia na
repressão às manifestações havidas é sintomático do pânico que começa a gerar nos
responsáveis políticos este tipo de acções. Ao mínimo desvio do programado, as
denominadas forças da ordem têm ‘ordem’ para carregar...
indiscriminadamente – até sobre jornalistas no exercício da função e
devidamente identificados!
Para além destes aspectos e da
ponderação a fazer sobre a utilidade de certas práticas sindicais no actual
contexto social e político (claramente extravasando do tradicional âmbito
nacional para o global), o que talvez mais importe analisar são as causas da
fraca adesão aos apelos para a realização de uma acção solidária na defesa de interesses
reconhecidamente comuns. Percebe-se então que o sentido comunitário há muito
que deu lugar ao individualismo do ‘salve-se quem puder’, que a sobrevivência
na selva dos ferozes mercados é a consequência lógica no termo de um longo
processo zelosamente construído, sobretudo nas últimas décadas, pelo
neoliberalismo.
Este é o ambiente social mais propício à eclosão do medo –
a raiz da dominação pessoal – e que se manifesta de múltiplas formas: o medo
do outro que gera a submissão (mas também a xenofobia); o medo da
diferença patente na intolerância (de que o racismo é apenas uma das
variantes); o medo do acossado induzido por ameaças várias (o
medo da perda de si ou de alguma coisa, o medo da mudança,...). É notório que,
hoje, a maioria dos portugueses (gregos, espanhóis, italianos,...) vive
acossada, cada vez mais refugiada no seu ‘castelo’ pessoal, com medo de perder
o pouco que tem. E foi seguramente o medo a principal condicionante dos
resultados desta greve. O medo que se apoderou das pessoas quanto à sua
situação actual e futura, que condiciona todas as suas decisões e atitudes. Em
que cada um se sente entregue apenas a si próprio, num deliberado arremedo
civilizado do regresso à Selva!
O extremo individualismo
das sociedades actuais, alimentado pelo conjunto de valores que melhor
caracterizam o sistema (competição, elitismo, consumismo,...) impede-as de ver
que só em colaboração – seja a nível empresarial/sindical ou nacional/político
(e cada vez mais mundial) – as suas acções têm condições de alcançar êxito na
defesa dos direitos da maioria e na correcta identificação dos privilégios da
escassa minoria que luta por todos os meios (legítimos ou não) para os manter!
Porque, importa referi-lo (e assumi-lo na acção política), essa luta conduziu,
na prática, à fusão entre o poder político e o poder dos negócios, a
ponto de hoje praticamente se confundirem.
Coincidência ou não, no mesmo dia, à noite, a Quadratura
do Círculo produziu um dos seus mais sintomáticos programas, num debate
centrado nas relações entre a política/políticos e os negócios. O painel
dos três comentadores habituais foi unânime, pelo menos em teoria (divergem nos
exemplos concretos), em que nessas relações existe promiscuidade.
Pacheco Pereira (JPP), paladino de uma direita que se pretende civilizada e a
quem se reconhece independência de espírito bastante para não ser confundido
com a carneirada no poder, foi mais preciso ao afirmar que se nos anteriores
Governos (em especial o de Sócrates) era visível uma certa promiscuidade,
agora passou-se para uma verdadeira comunidade de interesses, a política
assume-se como mera extensão dos negócios, acrescentando, relativamente ao
poder político actual, que ‘nunca nenhum Governo em Portugal desde o 25 de
Abril teve tão grande proximidade, política e ideológica, com os interesses (das
elites económicas)’.
Mas que esperar de um Governo que centra toda a sua estratégia
política no cabalístico desígnio nacional (?) de ‘voltar aos mercados’(!)
– extensão natural dessa tal comunidade de interesses de que fala JPP; cujo
principal partido convoca um Congresso para debater ‘a dança das cadeiras’ – porque naturalmente prejudicado o debate sobre projectos colectivos para desenvolver o País pela há muito tomada opção política de comunhão com interesses particularistas;
que concentra toda a táctica mediática no ataque à ‘figura de Sócrates’ – na
expectativa de que tal ‘distracção’ permita desviar as atenções do essencial da
política de austeridade/punição sobre as pessoas?
Sem comentários:
Enviar um comentário