A democracia como alternativa ao mercado
Perante os efeitos devastadores da Crise, nomeadamente no
plano social, com o desemprego a atingir, em algumas regiões, níveis próximos
da desagregação social, a solução do crescimento económico impulsionado
pelo aumento das exportações, apresentada como panaceia universal,
revela-se de difícil senão impossível concretização (pelo menos em todos os
lugares, ao mesmo tempo: os ganhos de produtividade alcançados por essa
maior competitividade externa, diluem-se a nível global, pois os excedentes de
uns são os déficit de outros!).
Mas para além dessas dificuldades e de subsistir sempre, no contexto do
sistema capitalista, o problema da sustentabilidade desse crescimento (por
força dos limites à competição, cf. referido em comentário anterior),
uma alternativa assente apenas neste pressuposto não se apresenta nem eficaz
nem sustentável a longo prazo, como as próprias condições que determinaram a
crise indicam. Foi a insuficiência da procura e a tentativa de a compensar
através do endividamento (sobretudo privado) que gerou a crise e a arrastou
para o beco em que se encontra. Daí que a única alternativa viável deva ser
procurada na esfera da repartição do rendimento, antes até de se avançar
para o crescimento (qualquer que seja a natureza deste).
Partindo da receita neoliberal para o
crescimento – aumento da competitividade pela via usual da redução salarial –
M. Husson esclarece (Esquerda.net, 5/Ag./11): “Como o crescimento será fraco no período
aberto pela crise na Europa, o único meio para um país criar empregos, será ganhar
parte deles aos países vizinhos, tanto mais que a maioria do comércio externo
dos países europeus se faz no interior da Europa. Isto é verdadeiro até para a
Alemanha(...), que não pode contar só com os países emergentes para o seu
crescimento e os seus empregos. As saídas neoliberais da crise são, pois, por
natureza não-cooperativas: só se pode ganhar contra os outros e é este o
fundamento da crise da construção europeia.
Em contraste, as soluções
progressistas são cooperativas: elas funcionam tanto melhor quanto se
estenderem a um maior número de países. Se todos os países europeus
reduzissem a duração do trabalho e taxassem os rendimentos do capital, esta
coordenação permitiria eliminar os ataques a que seria exposta esta mesma
política conduzida num único país” (em resposta ao argumento de que
tais políticas ultrapassam o quadro nacional).
E avança, desenvolvendo : “A subida da
parte dos salários poderá seguir a regra dos três terços: um terço para
os salários directos, um terço para o salário socializado (a protecção social)
e um terço para a criação de empregos através da redução do tempo de trabalho.
Esta progressão far-se-á em detrimento dos dividendos, que não têm qualquer
justificação económica nem utilidade social.”
Constituindo o
desemprego e a precariedade os principais problemas sociais, agora fortemente
agravados pela crise, importa então sublinhar que, se não basta aumentar a
competitividade para crescer, não chega crescer para se poder ampliar o
emprego. Porque fundamental é crescer criando empregos úteis, aptos a
satisfazer necessidades sociais, criando riqueza, pois só assim é possível
garantir um crescimento sustentável. Com óbvios benefícios para o ambiente.
Para as principais conclusões deste importante
debate por fazer (mas já por várias vezes aqui chamado antes), recorro de novo
a M. Husson, que põe toda a ênfase na afirmação de que “não é aos economistas que cabe decidir este
debate”, pois uma verdadeira
saída da crise passa pela opção política da adopção de “três
ingredientes indispensáveis:
1. uma modificação radical na distribuição dos rendimentos;
2. uma redução massiva do tempo de trabalho;
3. uma ruptura com a ordem mundial capitalista, a começar pela Europa
realmente existente.”
Isso implica, antes de mais, o regresso à política, a substituição
do mercado pela democracia. Só um ambiente efectivamente democrático,
liberto da utopia liberal do mercado livre (a utopia que realmente conta),
propiciará condições de progresso e de bem-estar geral. Base imprescindível ao
desenvolvimento de uma estratégia de luta europeia comum que, no imediato,
privilegie a resistência às políticas de austeridade e exigências
no campo da reforma fiscal, do controlo dos capitais,
da auditoria à dívida (apurando a que resulta da
liberalização/especulação financeira, base para a sua legítima reestruturação
e o posterior controlo democrático).
As perspectivas, contudo, não
parecem animadoras e propícias ao grau de consciencialização política exigido.
Um recente estudo de opinião sobre a condução da política nacional e possíveis
alternativas, traça um quadro desolador das expectativas dos inquiridos sobre
os seus intérpretes: a par de larga maioria (62%) considerar má a prestação dos
detentores do poder, uma maioria ainda mais alargada (73%)%, não confia em qualquer partido da oposição
para fazer melhor! Mas a insatisfação que traduz com a acção dos políticos representa, por
um lado a rejeição de uma certa forma de fazer política e alimenta, por outro a esperança na construção de uma alternativa mais autêntica que
os arremedos actuais produzidos pelo formalismo das eleições.
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