sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Um Governo a ‘ganhar balanço’! E os seus acólitos também!



Hélder Amaral, deputado do CDS/PP, lambisca de quando em quando e com notório deleite uma sintomática teoria sobre balanços. Não os balanços dos cálculos financeiros ou das ‘dívidas’, agora tão desafortunadamente em voga, antes os que pressupõem movimento, projecção, saltos acrobáticos. A expressão é mesmo ‘ganhar balanço’.

Posto perante os efeitos associados às medidas de austeridade, que o ‘seu’ Governo admite virem a resultar num recuo para a economia – ‘nós só saímos disto empobrecendo’, foi assim que a elas se referiu Passos Coelho – o melífluo turibulário, desdobrando-se em declarações de estrénuo proselitismo na expectativa de que tamanha dedicação venha a ser oportunamente compensada, para além de considerar tal frase a ‘mais corajosa que ouviu dizer’ (!!!), conclui que esta política serve para... ‘ganhar balanço’. Eu sou daqueles que acredita que nós não estamos a recuar, estamos a ganhar balanço”, garante em repetidas tiradas de fé, por todos os lugares aonde vá.

Esta expressão ‘ganhar balanço’ encerra bem a táctica actual deste Governo, aos diversos níveis e áreas da governação. Mesmo se aplicada em sentido não totalmente coincidente com este, a sua utilização demonstra-se bem oportuna para explicar a fase actual deste Governo, de momento ainda a ‘ganhar balanço’, a testar as reacções das pessoas e das instituições, a ver até onde realmente pode ir. Sobretudo no teste às instituições, a começar pelo teste constitucional.

São vários os episódios que o atestam. Desde logo no esbulho dos dois meses de salários aos funcionários públicos. Mesmo sem aqui se questionar a razão de fundo e a necessidade de tal medida, o certo é que mesmo assim podia ter optado por outra via, distribuindo o esforço de forma mais equitativa, sem necessidade de ‘pôr à prova’ a Constituição da República. Quis fazê-lo desta maneira de forma propositada para avaliar precisamente até onde pode ir na destruição dos direitos na função pública. Para medir a reacção das instituições que zelam pelo cumprimento da Constituição. Para avaliar a capacidade de contestação do sector público, o seu real peso social.

Igualmente no episódio da reestruturação do sector dos transportes públicos. Já não restam dúvidas quanto ao espírito de missão que anima a equipa que lidera a economia, do assanhado ministro Pereira ao deslumbrado secretário Monteiro. Ambos sentindo-se investidos de um desígnio divino. A concepção que ‘transportam’ de serviço público raia o absurdo, só explicável através do recurso a ideias de natureza transcendental, pois em nenhum país do mundo, inclusive na liberalíssima América da sua devoção, os transportes públicos são rentáveis de acordo com as estritas regras da gestão empresarial privada. O que há é critérios bem definidos de gestão e financiamento públicos, devidamente fiscalizados, incompatíveis com o desbocado discurso do ‘deslumbrado’, ao promover ‘ideias’ absurdas a ver se pegam (horários do Metro, supressão de carreiras,...), mas sobretudo atrevendo-se a falar em falência de empresas no sector.

Imbuído de um fervoroso espírito de missão, este governo propôs-se acabar com o que resta do sector público, administrativo ou empresarial. Isso implica, contudo, remover limites fixados nas leis constitucionais (em primeiro lugar) e vencer a oposição dos movimentos sociais (em última instância). Daí a táctica do ‘ganhar balanço’, dos aparentes avanços e recuos, do recurso ao medo e à dramatização para quebrar o ânimo das pessoas, pois a agenda liberal que se propõem concretizar é duríssima para as suas vidas, o que aí vem não tem comparação com o que já se conhece.

Mas não é só o Governo, no seu todo, que se encontra a ‘ganhar balanço’. Voltando ao início desta história, é toda uma plêiade de esforçados acólitos que se perfila para verem finalmente recompensada tanta devoção. Como no caso do ‘nosso’ esforçado deputado democrata-cristão (ainda existe democracia-cristã?), decerto a ‘ganhar balanço’ a avaliar pelas atitudes, intervenções, salamaleques e dichotes de que o luzente sequaz é pródigo. A tomar balanço para, na primeira oportunidade, saltar para o Governo. Não se arranja por lá já um lugarzinho ao homem? É que tanta ansiedade e contenção pode dar em apoplexia. E há mais na fila à espera!

domingo, 6 de novembro de 2011

As crises e a Crise deste insustentável crescimento contínuo – IV


Obstáculos à mudança

Não foi a ganância dos banqueiros, ao contrário do que se pretende insinuar sempre que se fala sobre este tema, a principal causa da crise financeira, muito menos da sua transformação na actual crise global, cujas proporções ainda não são totalmente percebidas. Maior peso tiveram as decisões dos políticos, Thatcher e Reagan à cabeça, que conscientemente abriram o caminho e prepararam as condições para que a acção dos banqueiros pudesse exercer-se sem quaisquer entraves ou limites, criando o ambiente propício à expressão mais primária das emoções humanas (agressividade, egoísmo, ganância,...), numa idealizada reprodução pretensamente próxima da lei natural (ou da selva?), pois só assim era possível – diziam! – extrair com a maior eficácia, todo o potencial dos recursos, materiais e humanos.

Foi o longo processo de desmantelamento das regras estabelecidas em Bretton Woods – regras prudenciais ditadas, também então, pelo descalabro liberal que, à época, provocou a Grande Depressão – que tornou possível a criatividade financeira que conduziu à crise. É bem sabido que todo este processo de ‘desregulamentação’ foi longamente preparado por empenhados ‘think thank’ ideológicos, com relevo para a Societé Mont-Pèlerin, o IEA e a Escola de Chicago, a que tive oportunidade de já por aqui me referir com algum detalhe. Surge quem dentro do sistema ouse criticar o excesso de consumismo e os maus hábitos criados pelo crédito fácil, mas fá-lo seguindo a lógica competitiva do ‘salve-se quem puder’, do retorno a uma autarcia serôdia. Condições para, a prazo, se agravar a crise global.

É, pois, na esfera política que se detecta o primeiro e grande obstáculo à mudança. Na capacidade democrática para inverter este laborioso processo tecido com objectivos bem definidos, desde logo quebrando o bloqueio mental imposto pela ideologia dominante – que nada mais consente senão a visão única da realidade que lhe convém – mas também sabendo erguer uma via alternativa. Que terá de passar, no imediato, pelo controle do poder financeiro mundial, com a imposição de um quadro legal de regulação que estabeleça bem os termos e os limites de cada operador e actuação: delimitação das diferentes áreas financeiras (poupança, segurança, investimento), retoma do controle monetário pelos Bancos Centrais (incluindo o BCE), papel das funções de rating,...

Não menos importante, até pela potencial maior dificuldade que envolve a sua concretização, é destronar os interesses instalados, desde os grandes e dominadores, que construíram todo um sistema voltado para o exclusivismo (e a sua principal ‘vítima’ foi o Estado e as funções sociais que era suposto este proteger), do qual resultou o actual modo de vida insustentável, aos pequenos serventuários (gestores e técnicos), que se erguem na sua sombra, essenciais à construção e manutenção do modelo social que o suporta. O que implica a definição, directa ou indirecta (via fiscal), de uma política de rendimentos que defina os limites a que cada um pode aspirar num quadro de recursos limitados, numa democracia de inclusão.

Resta ainda a armadilha da dívida externa, dominada e bem manipulada pela especulação internacional, que tem hegemonizado de forma quase absoluta a análise e discussão sobre a crise e as alternativas para a superar, transmitindo a percepção de que existe uma única saída – a teoria da austeridade inevitável – apresentada de tal modo que parece mesmo impossível ser... de outro modo (fora dela, só a catástrofe e o caos!). E aqui impõe-se ousar atacar o centro nevrálgico por onde opera a especulação internacional, extinguindo os ‘off-shores’ financeiros, verdadeiros santuários deste sistema assente na completa desregulação.

Importa que tudo isto se faça com a participação democrática das pessoas, motivando-as a colaborar através das mais diversas formas, institucionais ou informais, por recurso aos meios tecnológicos disponíveis. Exercício interessante, tanto do ponto de vista da indignação que revela, como da vontade de participar, é o que se pratica na NET, sobre textos objecto de muitas versões e propostas. Algumas dessas medidas, de carácter económico, político ou até moralista (nem todas, obviamente, exequíveis), revelam bem a urgência na construção de uma alternativa política à actual dominação do mercado.

Afinal não é a Grécia (ou Portugal, agora a Itália,...) que vive acima das suas possibilidades. O Mundo inteiro vive acima das suas possibilidades, por via de um estilo de vida que se sabe insustentável a prazo, inviável por natureza. Produzido por um modelo de organização social baseado no desperdício mais do que em necessidades, em valores de troca mais do que em valores de uso. Que opõe a ideologia da diferença exclusivista à diversidade do real, na defesa de alguns (países ou pessoas) poderem gastar/consumir mais do que outros.

Afinal, o maior obstáculo à mudança é mesmo este modelo de organização social que alimenta a ilusão de se poder manter incólume um modo de vida assente no desperdício e na desigualdade!

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

As crises e a Crise deste insustentável crescimento contínuo – III


Mudar o rumo, mudar de vida

Das múltiplas tentativas para se sair da crise – e de outros tantos fracassos – todas centradas nos aspectos financeiros, é possível extrair pelo menos uma certeza: a solução não depende apenas, nem sequer principalmente, da área monetária (ou mesmo financeira, em sentido amplo), ela arrasta inevitavelmente, mas a contragosto, a componente política. Objecto de muitas controvérsias e derivações inconsequentes, a sua abordagem tem revelado o mundo de incertezas e a desorientação dos políticos na hora de decidir, da UE aos EUA, ao ‘clube’ dos G20. E, no entanto, é na raiz da crise (nas causas que a originaram) que deve procurar-se e se encontra a solução mais racional para a mesma – não obstante o primado absoluto dos interesses como critério social dominante, na economia como na política.

A lógica do produtivismo que comanda o sistema e, por esta via, organiza as sociedades actuais, apenas obedece a um princípio orgânico, o dos resultados imediatos, pois assim o determina a norma do lucro máximo; apenas reconhece um critério diferenciador, o da produtividade, porque assim o dita a concorrência (seja a do vizinho do lado ou a dos seus competidores externos, na mais desenvolvida Alemanha ou na longínqua China). A lógica da globalização implantada com a abertura do comércio mundial (e a instituição da OMC), completou e tornou coerente este processo integrando no sistema todos os países do planeta.

Todavia, perante o aumento da produtividade do trabalho ocorrido nas últimas décadas – principal ‘origem’ dos excedentes de mão-de-obra e consequente agravamento do desemprego – as respostas de carácter estrutural que o sistema tem vindo a dar, centradas exclusivamente na lógica individual da empresa de sobreviver à concorrência (perspectiva micro), têm-se demonstrado incapazes de suster uma crise de dimensões cada vez mais globais (perspectiva macro) e inverter a tendência para a sua maior degradação.

Como é sabido, essas respostas têm sido essencialmente de dois tipos: por um lado, o recurso à deslocalização das empresas na busca das condições de produção mais favoráveis, permitida por uma globalização sem regras, que a livre circulação dos capitais incentiva impunemente – o resultado dessa impunidade revela-se na criação de enormes disparidades sociais e, mercê da pressão sobre os recursos, num planeta à beira de se tornar insustentável; por outro, o aumento da duração e dos ritmos do trabalho como forma de valorização do capital, ou seja, no acentuar da crise pelo agravamento das condições que a originaram.

Neste contexto, a denominada ‘crise das dívidas’ (pública e privada) é apenas mais um episódio da profunda crise global que consome o sistema, consumindo tudo à sua volta e pondo em causa a sua própria continuidade. Os planos de austeridade impostos para debelar a crise financeira daí resultante e que infernizam a vida dos que mais lhes sofrem os efeitos, os assalariados, são bem a expressão do descontrole que grassa nas elites que o representam: feitos à medida dos interesses dos especuladores que servem, incapazes de assegurarem o exaurido objectivo que lhes enche a boca e alimenta o verbo, o crescimento sustentável!

É, pois, no elevado nível de produtividade alcançado pelas sociedades actuais que deverão centrar-se os esforços na elaboração das respostas globais mais adequadas para se enfrentar, de forma coerente, a crise actual. De se procurar fazer corresponder a organização social ao estado de desenvolvimento da economia. Muito para além do modelo financeiro a que se reduz o plano de ‘reformas estruturais’ – sequestrado pela especulação, contrário à realidade da vida e a toda a racionalidade, avesso à própria democracia.

O grande desafio é, então, perante o conjunto de dificuldades que as sociedades enfrentam –  as financeiras, claro, mas sobretudo as de cariz político, a começar pelo paradigma do crescimento contínuo, o que implica a construção de um novo paradigma de dinamismo económico –  mostrar capacidade para reinventar o modo de vida, descobrir como ‘viver bem com menos’. Não já ‘viver melhor’, pois deixam de fazer sentido comparações com ‘este’ modo de vida, a sua ‘ morte e remoção’ será apenas uma questão de tempo.

E a primeira medida, imposta pela lógica da produtividade, é a reorganização da ocupação do tempo – a começar pela redistribuição do tempo de trabalho – retornando à senda dos direitos e da democracia, ao arrepio do que se pretende impor agora, o seu aumento.
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