terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A queda do Euro – deste Euro – e o fracasso de um certo projecto europeu!

Com a Itália às portas do 'apoio financeiro externo', parece exaurido e cada vez mais próximo do fim ‘este projecto europeu’ – designação que acoberta múltiplos conceitos e trajectos: das pias intenções dos ‘pais fundadores’, acabados de sair da mais devastadora guerra da História, de defesa contra uma belicista e imperial Alemanha (criação da CECA e Euratom, depois a CEE...); ao monstruoso edifício em que se transformou, por via, antes de mais, das inevitáveis dinâmicas capitalistas (na fase da globalização financeira), moldadas ao policromo caleidoscópio de povos europeus – acabando ‘às mãos’ de uma reunificada Alemanha, de novo imperial e ameaçadora!

Com ele morre a ilusão de uma certa Europa Unida, projecto federalista à semelhança do existente do outro lado do Atlântico, para com este concorrer no âmbito de um sistema que se alimenta do esmagamento dos mais fracos pelos mais fortes. Onde, pois, os mais fortes europeus (Alemanha, França, Itália,...) ganhariam força com a agregação dos europeus mais fracos (as várias periferias) para melhor concorrerem com a superpotência EUA na globalização capitalista.

Daí que a geometria da construção do Euro tenha sido traçada à medida das principais potências económicas europeias: favorecer os interesses do Centro, qualificado e mais produtivo, à custa das Periferias, menos produtivas mas não menos consumidoras, eleitas, no entanto, como seu principal suporte comercial. Na ausência de mecanismos de compensação ou de convergência, as dinâmicas capitalistas, entregues à espontaneidade dos mercados – assim o determina a ideologia neoliberal dominante – encarregaram-se de concluir este processo de decantação, colocando a Alemanha no topo da pirâmide competitiva, agora também já sob aviso prévio quanto ao seu próprio destino final.

Ora, perante a demonstração prática da inutilidade das políticas da austeridade para superar esta crise e da falácia em torno da teoria do ‘viver acima das nossas posses’, resta saber se o brutal processo de acelerada transferência de recursos do trabalho para o capital financeiro a pretexto das dívidas traduz apenas a incompetência de líderes sem estofo. A obsidiante presença alemã em todo esse processo (com ou sem o caricato – mas útil – apêndice francês), à revelia das instituições europeias ostensivamente subalternizadas, autoriza pelo menos a dúvida sobre se tudo isto não obedece a um plano meticuloso de afirmação imperial germânica, agora pela via económica – como crescentemente se vem sustentando, por enquanto apenas no âmbito de imaginativas (ou é mais do que isso?) teorias da conspiração. Certo é que com epicentro na NET (o lugar onde se vem afirmando, diga-se, o exercício de uma liberdade cada vez mais contida nos lugares institucionais dedicados para o efeito), tem vindo a engrossar um ainda difuso sentimento anti-germânico.
 
Não se afigura excessivo afirmar-se, entretanto, pairar de novo sobre a Europa o espectro de uma Alemanha expansionista, agora não através dos tradicionais e directos meios marciais do passado, antes pela mais civilizada e indirecta via económica do presente (sob pretexto de incumprimento dos Estados), assim se ludibriando, por amarga ironia do destino, as cautelas demonstradas pelos ‘pais fundadores’ que, ao tentarem controlar a potência bélica, abriram a porta à potência económica.

A desagregação da ilusão de uma Europa Unida, parece acarretar igualmente o termo de uma certa ilusão ‘internacionalista’, potenciada pela globalização, das lutas dos trabalhadores, agora cada vez mais confinados aos seus redutos nacionais, empresariais, locais, que assim ganham expressão e sentido crescentes. Nesta fase de recuperação do espaço económico perdido e com a estratégia federalista posta em causa, são de considerar todas as alternativas que contribuam para a retoma da soberania perdida dos países menos defendidos economicamente, incluindo a saída do Euro, se tal for considerado necessário para travar a especulação financeira sob que se acoita o actual processo de transferência de valor, seja ela ditada por estratégias imperiais (alemãs ou quaisquer outras) ou pela espontaneidade dos ‘livres’ mercados.

Seria interessante calcular qual o montante da dívida acumulada após a eclosão da ‘crise das dívidas’ - ou seja, nos dois últimos anos - em resultado da gestão liderada pela Alemanha, a mesma que agora afirma, pela boca de Merkel, ser contra uma ‘união das dívidas’ (!). Ganha, por isso, cada vez mais sentido e urgência a exigência da esquerda parlamentar (Bloco e PCP) para uma auditoria à dívida pública. Constituiria um exercício salutar e demolidor de todas as demagogias apurar o que nela é o resultado de efectivos compromissos assumidos (e aqui qual a sua natureza e intervenientes) e o que sobreveio por força da espiral especulativa que a ‘gestão Merkozy’ fez explodir de forma incontrolada. Restam ainda por apurar todos os contornos deste fabuloso ‘negócio’!

Depois das inúmeras falsas partidas a que a dupla Merkel-Sarkozy já habituou os europeus, seria verdadeiramente surpreendente que a semana que se iniciou e que, pela enésima vez, se anuncia decisiva para a Europa (e se fala da sua ‘refundação’...), trouxesse algo de novo à gestão da crise, em especial na contenção da especulação. Uma coisa parece assegurada: a crise vai continuar a gerar austeridade para uns e chorudos proveitos para outros. Uns e outros, os mesmos de sempre. 

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