Com a Itália às portas do 'apoio
financeiro externo', parece exaurido e cada vez mais próximo do fim ‘este
projecto europeu’ – designação que acoberta múltiplos conceitos e
trajectos: das pias intenções dos ‘pais fundadores’, acabados de sair da
mais devastadora guerra da História, de defesa contra uma belicista e imperial
Alemanha (criação da CECA e Euratom, depois a CEE...); ao monstruoso edifício
em que se transformou, por via, antes de mais, das inevitáveis dinâmicas
capitalistas (na fase da globalização financeira), moldadas ao policromo
caleidoscópio de povos europeus – acabando ‘às mãos’ de uma reunificada
Alemanha, de novo imperial e ameaçadora!
Com ele morre a ilusão de uma certa Europa Unida, projecto
federalista à semelhança do existente do outro lado do Atlântico, para com este
concorrer no âmbito de um sistema que se alimenta do esmagamento dos mais
fracos pelos mais fortes. Onde, pois, os mais fortes europeus (Alemanha, França,
Itália,...) ganhariam força com a agregação dos europeus mais fracos (as várias
periferias) para melhor concorrerem com a superpotência EUA na globalização
capitalista.
Daí que a geometria da construção do Euro tenha sido
traçada à medida das principais potências económicas europeias: favorecer os
interesses do Centro, qualificado e mais produtivo, à custa das Periferias,
menos produtivas mas não menos consumidoras, eleitas, no entanto, como seu
principal suporte comercial. Na ausência de mecanismos de compensação ou de
convergência, as dinâmicas capitalistas, entregues à espontaneidade dos
mercados – assim o determina a ideologia neoliberal dominante – encarregaram-se
de concluir este processo de decantação, colocando a Alemanha no topo da
pirâmide competitiva, agora também já sob aviso prévio quanto ao seu próprio
destino final.
Ora, perante a demonstração prática da inutilidade das
políticas da austeridade para superar esta crise e da falácia em
torno da teoria do ‘viver acima das nossas posses’, resta saber se o brutal
processo de acelerada transferência de recursos do trabalho para o capital
financeiro a pretexto das dívidas traduz apenas a incompetência de
líderes sem estofo. A obsidiante presença alemã em todo esse processo (com ou
sem o caricato – mas útil – apêndice francês), à revelia das instituições
europeias ostensivamente subalternizadas, autoriza pelo menos a dúvida sobre se
tudo isto não obedece a um plano meticuloso de afirmação imperial germânica,
agora pela via económica – como crescentemente se vem sustentando, por enquanto
apenas no âmbito de imaginativas (ou é mais do que isso?) teorias da
conspiração. Certo é que com epicentro na NET (o lugar onde se vem afirmando,
diga-se, o exercício de uma liberdade cada vez mais contida nos lugares
institucionais dedicados para o efeito), tem vindo a engrossar um ainda difuso
sentimento anti-germânico.
Não se afigura excessivo
afirmar-se, entretanto, pairar de novo sobre a Europa o espectro de uma
Alemanha expansionista, agora não através dos tradicionais e directos meios
marciais do passado, antes pela mais civilizada e indirecta via económica do
presente (sob pretexto de incumprimento dos Estados), assim se ludibriando, por
amarga ironia do destino, as cautelas demonstradas pelos ‘pais fundadores’
que, ao tentarem controlar a potência bélica, abriram a porta à potência
económica.
A desagregação da ilusão de uma
Europa Unida, parece acarretar igualmente o termo de uma certa ilusão
‘internacionalista’, potenciada pela globalização, das lutas dos trabalhadores,
agora cada vez mais confinados aos seus redutos nacionais, empresariais,
locais, que assim ganham expressão e sentido crescentes. Nesta fase de
recuperação do espaço económico perdido e com a estratégia federalista posta em
causa, são de considerar todas as alternativas que contribuam para a retoma da
soberania perdida dos países menos defendidos economicamente, incluindo a saída
do Euro, se tal for considerado necessário para travar a especulação financeira
sob que se acoita o actual processo de transferência de valor, seja ela ditada
por estratégias imperiais (alemãs ou quaisquer outras) ou pela espontaneidade
dos ‘livres’ mercados.
Seria interessante calcular qual
o montante da dívida acumulada após a eclosão da ‘crise das dívidas’ - ou seja,
nos dois últimos anos - em resultado da gestão liderada pela Alemanha, a mesma
que agora afirma, pela boca de Merkel, ser contra uma ‘união das dívidas’ (!).
Ganha, por isso, cada vez mais sentido e urgência a exigência da esquerda
parlamentar (Bloco e PCP) para uma auditoria à dívida pública. Constituiria um
exercício salutar e demolidor de todas as demagogias apurar o que nela é o
resultado de efectivos compromissos assumidos (e aqui qual a sua natureza e intervenientes) e
o que sobreveio por força da espiral especulativa que a ‘gestão Merkozy’ fez
explodir de forma incontrolada. Restam ainda por apurar todos os contornos
deste fabuloso ‘negócio’!
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