Não há prédica nem altercação
sobre a omnipresente ‘crise das dívidas’ em que não apareça o já
habitual ‘eu, se fosse alemão,...’ condescendente e até compreensivo
para a posição de domínio político que a Alemanha tem vindo a exercer na gestão
da Crise, tirando partido da sua actual preponderância económica. As exigências
alemãs para os denominados apoios financeiros aos países mais endividados,
implicando doses maciças de austeridade, são invariavelmente enquadradas, como
justificação para a sua 'inevitável' - e resignada - aceitação, por essa estranha litania: 'eu,
se fosse alemão, também não gostaria de ver os meus impostos
canalizados para pagar os gastos de países pouco zelosos (no mínimo) com a
gestão dos seus recursos, gastadores compulsivos, viciados em crédito’.
Daí até concordarem com a política de punição aos ‘indisciplinados do Sul’...
Mas ‘eu, se fosse alemão,...’ começaria antes por
tentar compreender a razão essencial da actual prosperidade da Alemanha. Não as
obtidas por via de explicações de cariz nacionalista ou de índole psicológica,
ligadas a pretensas características ou propensões étnicas, geográficas, ou até
comportamentais (disciplina, rigor,...). O certo é que nem sempre os alemães
(ou os povos e regiões que os constituem) foram um país próspero e as
estatísticas evidenciam que só a partir da segunda metade do Séc. XIX, em pleno
ascenso do capitalismo, com a unificação prussiana e a gestão de Bismarck, foi
possível primeiro criar um grande espaço económico nacional adequado às exigências
desse então ainda embrionário sistema e depois partir para o expansionismo
germânico que envenenou a História da Europa (e do Mundo) ao longo de todo o
Séc. XX.
Tenderia, portanto, a procurar
explicações mais abrangentes e bem mais profundas, não me fixando apenas no
tempo presente e no espaço limitado de um país. E essas só são possíveis de
descobrir – para quem as quiser mesmo procurar – na forma e conteúdo desta
globalização económica, em que uns tiram mais partido do que outros, porque o
sistema que a comanda assim o determina.
‘Eu, se fosse alemão’,
teria então bem mais em conta o passado e o futuro, mais até que o efémero
presente: o passado para me explicar como é que a Alemanha atingiu a sua actual
posição de domínio; o futuro, para perceber que, sendo essa posição sobretudo o
resultado das interligações económicas do mundo de hoje, se encontra cada vez
mais dependente de outros e do que nestes ocorrer, que a incerteza (e,
consequentemente, a volatilidade) é a nota dominante das dinâmicas deste sistema.
‘Eu, se fosse alemão’,
recordaria, pois e antes de mais, os vários momentos da História do séc. XX em que a Alemanha teve de
equilibrar as suas contas (à custa de injecções maciças de capital
norte-americano e do crédito de outros países, entre eles... a Grécia) e a
forma como suspendeu o pagamento (!) de dívidas astronómicas,
suportadas por grandes e pequenos países credores: cancelamento dos empréstimos
contraídos para pagar as reparações de guerra impostas pelo paz de Versalhes,
compensações pelo trabalho escravo do nazismo, indemnizações devidas pela
ocupação alemã,...
‘Eu, se fosse alemão’,
ver-me-ia obrigado a aceitar que o facto de estar, hoje, aqui, alardeando
prosperidade, se deve em grande medida ao modelo de integração europeia e desta
construção do Euro, no quadro de relações económicas com um padrão competitivo
onde os países tecnicamente mais desenvolvidos naturalmente dominam, mas à
custa de uma periferia com estruturas produtivas mais semelhantes à dos países
a que, em simultâneo, se abriram as portas do comércio mundial (China,
Índia,...), permitindo-lhes – favorecendo-o mesmo – competir em condições de
dumping social.
‘Eu, se fosse alemão’,
teria pudor em exigir o que quer que fosse, à Europa e ao Mundo, sabendo que o
meu nome estará sempre associado aos episódios mais negros do séc. XX (guerras,
genocídio...), incluindo, já na última década, o precipitar da desagregação da
Federação da Jugoslávia, com o reconhecimento unilateral, à revelia da
Comunidade Europeia, do primeiro país a declarar a secessão, a Eslovénia, a
partir do qual depois se desenrolou o drama de mais uma cruenta guerra no
centro da Europa!
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