Obstáculos à mudança
Não foi a ganância dos
banqueiros, ao contrário do que se pretende insinuar sempre que se fala sobre
este tema, a principal causa da crise financeira, muito menos da sua
transformação na actual crise global, cujas proporções ainda não são totalmente
percebidas. Maior peso tiveram as decisões dos políticos, Thatcher e Reagan à
cabeça, que conscientemente abriram o caminho e prepararam as condições para
que a acção dos banqueiros pudesse exercer-se sem quaisquer entraves ou
limites, criando o ambiente propício à expressão mais primária das emoções
humanas (agressividade, egoísmo, ganância,...), numa idealizada reprodução
pretensamente próxima da lei natural (ou da selva?), pois só assim era possível
– diziam! – extrair com a maior eficácia, todo o potencial dos recursos,
materiais e humanos.
Foi o longo processo de
desmantelamento das regras estabelecidas em Bretton Woods – regras prudenciais
ditadas, também então, pelo descalabro liberal que, à época, provocou a Grande
Depressão – que tornou possível a criatividade financeira que conduziu à crise.
É bem sabido que todo este processo de ‘desregulamentação’ foi
longamente preparado por empenhados ‘think thank’ ideológicos, com relevo para
a Societé Mont-Pèlerin, o IEA e a Escola de Chicago, a que tive oportunidade de
já por aqui me referir com algum detalhe. Surge quem dentro do sistema ouse criticar o excesso de consumismo e os maus hábitos criados pelo crédito fácil,
mas fá-lo seguindo a lógica competitiva do ‘salve-se quem puder’, do retorno a
uma autarcia serôdia. Condições para, a prazo, se agravar a crise global.
É, pois, na esfera política
que se detecta o primeiro e grande obstáculo à mudança. Na capacidade
democrática para inverter este laborioso processo tecido com objectivos bem
definidos, desde logo quebrando o bloqueio mental imposto pela ideologia
dominante – que nada mais consente senão a visão única da realidade que lhe
convém – mas também sabendo erguer uma via alternativa. Que terá de
passar, no imediato, pelo controle do poder financeiro mundial, com a
imposição de um quadro legal de regulação que estabeleça bem os termos e
os limites de cada operador e actuação: delimitação das diferentes áreas
financeiras (poupança, segurança, investimento), retoma do controle monetário
pelos Bancos Centrais (incluindo o BCE), papel das funções de rating,...
Não menos importante, até pela
potencial maior dificuldade que envolve a sua concretização, é destronar os
interesses instalados, desde os grandes e dominadores, que construíram todo
um sistema voltado para o exclusivismo (e a sua principal ‘vítima’ foi o Estado
e as funções sociais que era suposto este proteger), do qual resultou o actual
modo de vida insustentável, aos pequenos serventuários (gestores e técnicos),
que se erguem na sua sombra, essenciais à construção e manutenção do modelo
social que o suporta. O que implica a definição, directa ou indirecta (via
fiscal), de uma política de rendimentos que defina os limites a que cada
um pode aspirar num quadro de recursos limitados, numa democracia de
inclusão.
Resta ainda a armadilha da
dívida externa, dominada e bem manipulada pela especulação internacional,
que tem hegemonizado de forma quase absoluta a análise e discussão sobre a
crise e as alternativas para a superar, transmitindo a percepção de que existe
uma única saída – a teoria da austeridade inevitável – apresentada de
tal modo que parece mesmo impossível ser... de outro modo (fora dela, só a
catástrofe e o caos!). E aqui impõe-se ousar atacar o centro nevrálgico por
onde opera a especulação internacional, extinguindo os ‘off-shores’
financeiros, verdadeiros santuários deste sistema assente na completa
desregulação.
Importa que tudo isto se faça com
a participação democrática das pessoas,
motivando-as a colaborar através das mais diversas formas, institucionais ou
informais, por recurso aos meios tecnológicos disponíveis. Exercício
interessante, tanto do ponto de vista da indignação que revela, como da vontade
de participar, é o que se pratica na NET, sobre textos objecto de muitas
versões e propostas. Algumas dessas medidas, de carácter económico, político ou
até moralista (nem todas, obviamente, exequíveis), revelam bem a urgência na construção
de uma alternativa política à actual dominação do mercado.
Afinal não é a Grécia (ou
Portugal, agora a Itália,...) que vive acima das suas possibilidades. O Mundo
inteiro vive acima das suas possibilidades, por via de um estilo de vida
que se sabe insustentável a prazo, inviável por natureza. Produzido por um
modelo de organização social baseado no desperdício mais do que em
necessidades, em valores de troca mais do que em valores de uso. Que
opõe a ideologia da diferença exclusivista à diversidade do real, na defesa de
alguns (países ou pessoas) poderem gastar/consumir mais do que outros.
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