Mudar o rumo, mudar de vida
Das múltiplas tentativas para se
sair da crise – e de outros tantos fracassos – todas centradas nos aspectos
financeiros, é possível extrair pelo menos uma certeza: a solução não depende
apenas, nem sequer principalmente, da área monetária (ou mesmo financeira, em
sentido amplo), ela arrasta inevitavelmente, mas a contragosto, a componente
política. Objecto de muitas controvérsias e derivações inconsequentes, a sua
abordagem tem revelado o mundo de incertezas e a desorientação dos políticos na
hora de decidir, da UE aos EUA, ao ‘clube’ dos G20. E, no entanto, é na raiz da
crise (nas causas que a originaram) que deve procurar-se e se encontra a solução
mais racional para a mesma – não obstante o primado absoluto dos
interesses como critério social dominante, na economia como na política.
A lógica do produtivismo que comanda o sistema e,
por esta via, organiza as sociedades actuais, apenas obedece a um princípio
orgânico, o dos resultados imediatos, pois assim o determina
a norma do lucro máximo; apenas reconhece um critério diferenciador,
o da produtividade, porque assim o dita a concorrência
(seja a do vizinho do lado ou a dos seus competidores externos, na mais
desenvolvida Alemanha ou na longínqua China). A lógica da globalização
implantada com a abertura do comércio mundial (e a instituição da OMC),
completou e tornou coerente este processo integrando no sistema todos os países
do planeta.
Todavia, perante o aumento da
produtividade do trabalho ocorrido nas últimas décadas – principal ‘origem’ dos
excedentes de mão-de-obra e consequente agravamento do desemprego – as respostas
de carácter estrutural que o sistema tem vindo a dar, centradas
exclusivamente na lógica individual da empresa de sobreviver à concorrência
(perspectiva micro), têm-se demonstrado incapazes de suster uma crise de
dimensões cada vez mais globais (perspectiva macro) e inverter a tendência para
a sua maior degradação.
Como é sabido, essas respostas
têm sido essencialmente de dois tipos: por um lado, o recurso à
deslocalização das empresas na busca das condições de produção mais favoráveis,
permitida por uma globalização sem regras, que a livre circulação dos capitais
incentiva impunemente – o resultado dessa impunidade revela-se na criação de
enormes disparidades sociais e, mercê da pressão sobre os recursos, num planeta
à beira de se tornar insustentável; por outro, o aumento da duração e
dos ritmos do trabalho como forma de valorização do capital, ou seja, no
acentuar da crise pelo agravamento das condições que a originaram.
Neste contexto, a denominada
‘crise das dívidas’ (pública e privada) é apenas mais um episódio da profunda
crise global que consome o sistema, consumindo tudo à sua volta e pondo em
causa a sua própria continuidade. Os planos de austeridade
impostos para debelar a crise financeira daí resultante e que infernizam a vida
dos que mais lhes sofrem os efeitos, os assalariados, são bem a expressão do
descontrole que grassa nas elites que o representam: feitos à medida dos
interesses dos especuladores que servem, incapazes de assegurarem o
exaurido objectivo que lhes enche a boca e alimenta o verbo, o crescimento
sustentável!
É, pois, no elevado nível de produtividade
alcançado pelas sociedades actuais que deverão centrar-se os esforços na
elaboração das respostas globais mais adequadas para se enfrentar,
de forma coerente, a crise actual. De se procurar fazer corresponder a
organização social ao estado de desenvolvimento da economia. Muito para
além do modelo financeiro a que se reduz o plano de ‘reformas estruturais’ –
sequestrado pela especulação, contrário à realidade da vida e a toda a
racionalidade, avesso à própria democracia.
O grande desafio é, então,
perante o conjunto de dificuldades que as sociedades enfrentam – as financeiras, claro, mas sobretudo as de
cariz político, a começar pelo paradigma do crescimento contínuo, o que implica
a construção de um novo paradigma de dinamismo económico – mostrar capacidade para reinventar o modo
de vida, descobrir como ‘viver bem com menos’. Não já ‘viver
melhor’, pois deixam de fazer sentido comparações com ‘este’ modo de
vida, a sua ‘ morte e remoção’ será apenas uma questão de tempo.
(...)
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