quinta-feira, 3 de novembro de 2011

As crises e a Crise deste insustentável crescimento contínuo – III


Mudar o rumo, mudar de vida

Das múltiplas tentativas para se sair da crise – e de outros tantos fracassos – todas centradas nos aspectos financeiros, é possível extrair pelo menos uma certeza: a solução não depende apenas, nem sequer principalmente, da área monetária (ou mesmo financeira, em sentido amplo), ela arrasta inevitavelmente, mas a contragosto, a componente política. Objecto de muitas controvérsias e derivações inconsequentes, a sua abordagem tem revelado o mundo de incertezas e a desorientação dos políticos na hora de decidir, da UE aos EUA, ao ‘clube’ dos G20. E, no entanto, é na raiz da crise (nas causas que a originaram) que deve procurar-se e se encontra a solução mais racional para a mesma – não obstante o primado absoluto dos interesses como critério social dominante, na economia como na política.

A lógica do produtivismo que comanda o sistema e, por esta via, organiza as sociedades actuais, apenas obedece a um princípio orgânico, o dos resultados imediatos, pois assim o determina a norma do lucro máximo; apenas reconhece um critério diferenciador, o da produtividade, porque assim o dita a concorrência (seja a do vizinho do lado ou a dos seus competidores externos, na mais desenvolvida Alemanha ou na longínqua China). A lógica da globalização implantada com a abertura do comércio mundial (e a instituição da OMC), completou e tornou coerente este processo integrando no sistema todos os países do planeta.

Todavia, perante o aumento da produtividade do trabalho ocorrido nas últimas décadas – principal ‘origem’ dos excedentes de mão-de-obra e consequente agravamento do desemprego – as respostas de carácter estrutural que o sistema tem vindo a dar, centradas exclusivamente na lógica individual da empresa de sobreviver à concorrência (perspectiva micro), têm-se demonstrado incapazes de suster uma crise de dimensões cada vez mais globais (perspectiva macro) e inverter a tendência para a sua maior degradação.

Como é sabido, essas respostas têm sido essencialmente de dois tipos: por um lado, o recurso à deslocalização das empresas na busca das condições de produção mais favoráveis, permitida por uma globalização sem regras, que a livre circulação dos capitais incentiva impunemente – o resultado dessa impunidade revela-se na criação de enormes disparidades sociais e, mercê da pressão sobre os recursos, num planeta à beira de se tornar insustentável; por outro, o aumento da duração e dos ritmos do trabalho como forma de valorização do capital, ou seja, no acentuar da crise pelo agravamento das condições que a originaram.

Neste contexto, a denominada ‘crise das dívidas’ (pública e privada) é apenas mais um episódio da profunda crise global que consome o sistema, consumindo tudo à sua volta e pondo em causa a sua própria continuidade. Os planos de austeridade impostos para debelar a crise financeira daí resultante e que infernizam a vida dos que mais lhes sofrem os efeitos, os assalariados, são bem a expressão do descontrole que grassa nas elites que o representam: feitos à medida dos interesses dos especuladores que servem, incapazes de assegurarem o exaurido objectivo que lhes enche a boca e alimenta o verbo, o crescimento sustentável!

É, pois, no elevado nível de produtividade alcançado pelas sociedades actuais que deverão centrar-se os esforços na elaboração das respostas globais mais adequadas para se enfrentar, de forma coerente, a crise actual. De se procurar fazer corresponder a organização social ao estado de desenvolvimento da economia. Muito para além do modelo financeiro a que se reduz o plano de ‘reformas estruturais’ – sequestrado pela especulação, contrário à realidade da vida e a toda a racionalidade, avesso à própria democracia.

O grande desafio é, então, perante o conjunto de dificuldades que as sociedades enfrentam –  as financeiras, claro, mas sobretudo as de cariz político, a começar pelo paradigma do crescimento contínuo, o que implica a construção de um novo paradigma de dinamismo económico –  mostrar capacidade para reinventar o modo de vida, descobrir como ‘viver bem com menos’. Não já ‘viver melhor’, pois deixam de fazer sentido comparações com ‘este’ modo de vida, a sua ‘ morte e remoção’ será apenas uma questão de tempo.

E a primeira medida, imposta pela lógica da produtividade, é a reorganização da ocupação do tempo – a começar pela redistribuição do tempo de trabalho – retornando à senda dos direitos e da democracia, ao arrepio do que se pretende impor agora, o seu aumento.
(...)

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