Hélder Amaral, deputado do CDS/PP, lambisca de quando em
quando e com notório deleite uma sintomática teoria sobre balanços. Não os
balanços dos cálculos financeiros ou das ‘dívidas’, agora tão desafortunadamente
em voga, antes os que pressupõem movimento, projecção, saltos acrobáticos. A
expressão é mesmo ‘ganhar balanço’.
Posto perante os efeitos associados às medidas de
austeridade, que o ‘seu’ Governo admite virem a resultar num recuo para a economia
– ‘nós só saímos disto empobrecendo’, foi assim que a elas se referiu
Passos Coelho – o melífluo turibulário, desdobrando-se em declarações de estrénuo proselitismo na expectativa de
que tamanha dedicação venha a ser oportunamente compensada, para além de
considerar tal frase a ‘mais corajosa que ouviu dizer’ (!!!), conclui que esta
política serve para... ‘ganhar balanço’. “Eu
sou daqueles que acredita que nós não estamos a recuar, estamos a ganhar balanço”,
garante em repetidas tiradas de fé, por todos os lugares aonde vá.
Esta expressão ‘ganhar
balanço’ encerra bem a táctica actual deste Governo, aos diversos
níveis e áreas da governação. Mesmo se aplicada em sentido não totalmente
coincidente com este, a sua utilização demonstra-se bem oportuna para explicar
a fase actual deste Governo, de momento ainda a ‘ganhar balanço’, a
testar as reacções das pessoas e das instituições, a ver até onde realmente
pode ir. Sobretudo no teste às instituições, a começar pelo teste
constitucional.
São vários os episódios que o atestam. Desde
logo no esbulho dos dois meses de salários aos funcionários públicos. Mesmo sem
aqui se questionar a razão de fundo e a necessidade de tal medida, o certo é
que mesmo assim podia ter optado por outra via, distribuindo o esforço de forma
mais equitativa, sem necessidade de ‘pôr à prova’ a Constituição da República.
Quis fazê-lo desta maneira de forma propositada para avaliar precisamente até
onde pode ir na destruição dos direitos na função pública. Para
medir a reacção das instituições que zelam pelo cumprimento da Constituição.
Para avaliar a capacidade de contestação do sector público, o seu real peso
social.
Igualmente no episódio da reestruturação do
sector dos transportes públicos. Já não restam dúvidas quanto ao espírito de
missão que anima a equipa que lidera a economia, do assanhado ministro Pereira
ao deslumbrado secretário Monteiro. Ambos sentindo-se investidos de um desígnio
divino. A concepção que ‘transportam’ de serviço público raia o absurdo, só
explicável através do recurso a ideias de natureza transcendental, pois em
nenhum país do mundo, inclusive na liberalíssima América da sua devoção, os
transportes públicos são rentáveis de acordo com as estritas regras da gestão
empresarial privada. O que há é critérios bem definidos de gestão e
financiamento públicos, devidamente fiscalizados, incompatíveis com o desbocado
discurso do ‘deslumbrado’, ao promover ‘ideias’ absurdas a ver se pegam
(horários do Metro, supressão de carreiras,...), mas sobretudo atrevendo-se a
falar em falência de empresas no sector.
Imbuído de um fervoroso espírito de missão, este governo propôs-se acabar com o que resta do
sector público, administrativo ou empresarial. Isso implica, contudo, remover
limites fixados nas leis constitucionais (em primeiro lugar) e vencer a
oposição dos movimentos sociais (em última instância). Daí a táctica do
‘ganhar balanço’, dos aparentes avanços e recuos, do recurso ao medo e à
dramatização para quebrar o ânimo das pessoas, pois a agenda liberal que se
propõem concretizar é duríssima para as suas vidas, o que aí vem não tem
comparação com o que já se conhece.
Mas não é só o Governo, no seu todo, que se encontra a
‘ganhar balanço’. Voltando ao início desta história, é toda uma plêiade de
esforçados acólitos que se perfila para verem finalmente recompensada tanta
devoção. Como no caso do ‘nosso’ esforçado deputado democrata-cristão (ainda
existe democracia-cristã?), decerto a ‘ganhar balanço’ a avaliar pelas
atitudes, intervenções, salamaleques e dichotes de que o luzente sequaz é pródigo.
A tomar balanço para, na primeira oportunidade, saltar para o Governo. Não se
arranja por lá já um lugarzinho ao homem? É que tanta ansiedade e contenção
pode dar em apoplexia. E há mais na fila à espera!