sábado, 3 de setembro de 2011

A mudança - II

...e a alternativa

As teorias dominantes do pensamento económico corrente (e por onde passam os conceitos de crescimento e equilíbrio das contas) costumam alinhar-se em torno de duas principais: os que privilegiam o lado da oferta, afirmando que só os ajustamentos automáticos inerentes ao ‘mercado livre’ tornam possível garantir contas certas, a base para o crescimento (neoliberais); os que advogam a necessidade de impulsionar a procura por forma a quebrar-se o ciclo recessivo, condição essencial para se pagarem as dívidas e se obterem contas certas (keynesianos). (A oferta de) uns e (a procura dos) outros, porém, insistem no mesmo modelo de crescimento que nos trouxe até este enrodilhado novelo.

Daí que a terapia proposta por ambos recaia, com algumas variantes, na intensificação da produtividade (associada, se possível, a ‘vantagens comparativas’ que o país possua) como forma de se ganhar competitividade internacional – palavra mágica que, por estes tempos, parece suficiente para calar qualquer objecção. A resolução das denominadas ‘dívidas soberanas’ passaria então sobretudo pelo incremento das exportações (e, em menor escala, pela substituição das importações). Contudo, esta via tem os seus limites, mesmo se apenas no âmbito estrito da teoria (descontando aqui, pois, o impacto do crescimento ilimitado).

Por um lado, a aposta na tentativa de se explorarem habilidosamente as diferenças de produtividade entre países pretende ignorar que a globalização intensificou a lei da perequação tecnológica, ou seja, o avanço técnico que um país possa evidenciar num determinado momento tende a encurtar-se cada vez mais, levando à sua progressiva homogeneização, com a consequente redução, a prazo, dos ganhos obtidos.

Por outro, intensificar a produtividade pode atenuar os efeitos da crise localmente mas tende a agravá-la globalmente. Com efeito, ao contrário do que é comum pensar-se e se divulga, a presente crise surge precisamente do fosso criado entre o enorme incremento tecnológico alcançado pelo capitalismo (entretanto ‘globalizado’) – traduzido numa maior produtividade do trabalho – e a atrofia provocada na repartição dos ganhos daí resultantes, tanto em termos financeiros como sobretudo a nível da distribuição do próprio trabalho.

Já por aqui o referi diversas vezes – mas nunca é demais voltar ao tema sobretudo quando ele é ostensivamente ignorado, em prol da sua apropriação privada – o principal problema que importa resolver nas sociedades actuais é o que fazer com o nível de produtividade alcançado. Dito de outro modo, trata-se de encontrar solução para o tempo de trabalho libertado por esta via. Ou ainda, como (re)distribuir o acréscimo de valor gerado pela maior produtividade do trabalho. A orientação actual vai exclusivamente no sentido de apenas uma parte ínfima da sociedade beneficiar desses enormes ganhos sociais, seja através da apropriação da sua conversão financeira, seja pela exclusão de crescentes fatias da população do acesso ao trabalho e aos rendimentos por ele proporcionados. Com resultados devastadores, traduzidos na mais profunda e persistente crise do sistema – já não apenas mais uma crise periódica, a cada dia se revela mais o próprio sistema em crise!

O problema é então de organização social – e não das pretensas ‘leis’ da economia, como nos afiançam, marteladamente, encartados comentadores pagos para intoxicar/domesticar a opinião pública e iluminados políticos destacados para nos (des)governarem. Trata-se, pois, de inverter a tendência actual que impõe a intensificação dos ritmos de trabalho para os que o têm – enquanto um cada vez maior número de pessoas é dele excluído. Significa isso que a construção de uma alternativa à presente desordem social deverá forçosamente incidir na redução global do tempo de trabalho, proporcionando maior espaço para o lazer aos trabalhadores e abrindo espaço para o trabalho aos que dele actualmente não dispõem.

Enquanto se não verificar uma melhor correspondência entre os níveis de produtividade e a distribuição do tempo de trabalho disponível nas sociedades, todas as soluções encontradas para a crise, económica e social, não passarão de paliativos, à espera de uma próxima. Ultrapassar a crise actual de forma sustentada só será possível e acontecerá no quadro de uma reorganização social global do tempo de trabalho – afinal, até nos termos da própria formulação económica clássica, a forma mais simples (a única?) de a expansão da oferta (por via da maior produtividade) encontrar o seu equivalente numa procura alargada.

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