quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A mudança - I

Entre a alternância...

Talvez a palavra mais usada por estes dias seja mesmo ‘mudança’. A filosofia assim o estabelece: ‘mudar é viver’, ou ‘a vida é feita de mudança’. Até a poesia glosou o tema e dele fez slogan: ‘todo o mundo é composto de mudança’. Mas as exigências de um quotidiano de incertezas e sem rumo, de contrastes ultrajantes (por vezes a rondar mesmo o absurdo), em desenfreada busca de soluções para a escalada de problemas que o confrontam, tornam este slogan mais directo e pragmático, voltado para a resolução dos problemas imediatos: ‘é preciso mudar, disse-se, porque a crise assim o impõe’.

A ‘crise’ nas suas múltiplas facetas e consequências, desde a crise das agora denominadas ‘dívidas soberanas’ – aparentemente a ‘mãe de todas as crises’ – ao, sobretudo, extenso role de consequências que dela parecem resultar: a incapacidade das famílias solverem os seus compromissos financeiros (assumidos, boa parte das vezes, por insistência dolosa das instituições credoras), o galopante desemprego consequente ao fecho das empresas insolventes, a austeridade imposta (diz-se) pela solvência das contas públicas para garantir (afirma-se) que o país não caia na bancarrota (!), a eminência de uma crise social mais ampla, a vergonha da miséria em tempo de faustosa abundância...

Neste cenário, contudo, se a necessidade da mudança parece reunir consenso, já o rumo que ela deve seguir está longe de o conseguir, pois assume a orientação mais adequada aos interesses de cada um (ou melhor, à percepção desses interesses). Aparentemente, é possível vislumbrar alguma sintonia em torno de um objectivo: a mudança deve ter em vista o crescimento económico – parece cada vez mais fora de agenda o contraponto, aqui e agora, com o mais abrangente conceito de desenvolvimento, não obstante ouvir-se falar com relativa insistência e proveniências muito diversas, em desenvolvimento sustentável!

Tendo em conta a causa próxima da crise actual – o endividamento excessivo (das famílias, das empresas, dos países) – a tónica é posta no acerto das contas: de acordo com a teoria, um crescimento económico saudável (e o próprio desenvolvimento sustentável) só terão condições de acontecer desde que baseados em contas certas. Adiantam, por isso, que a primeira condição para a melhoria de vida das pessoas é, antes de mais, pôr as contas em ordem, recorrendo à prática da imposição (aos outros) dos ‘planos de austeridade’. Teoria e prática a que se têm entregado, com tanto desvelo quanto parcos os resultados, sucessivos governos de siglas várias e acólitos mediáticos de bem nutridas figuras.

Já se percebeu (para quem ainda alimentasse dúvidas) que a mudança proposta por este governo relativamente à prática política do anterior não é de natureza, mas de ritmo, visa essencialmente acelerar (não vá o diabo tecê-las!) a liberalização da economia, ou seja, garantir ao capital condições de exploração do trabalho sem grandes entraves, facilitando a sua acumulação. Sob pretexto de gastos públicos excessivos, o objectivo é, invariavelmente, o mesmo: privatizar o que resta do sector público, desmantelar o Estado Social, fragilizar as relações de trabalho,... em suma, transferir valor do trabalho para o capital! A mudança é, sob múltiplos pontos de vista, para pior! Esta não é, certamente, a mudança que a esmagadora maioria das pessoas esperava e o mundo precisa!

Mas esta é, na realidade, a via da alternância do poder nas denominadas democracias ocidentais. Com mais ou menos acentuação, o cenário não varia muito: as mesmas políticas com novos figurantes, os mesmos carros de luxo com novos ocupantes, uma maior austeridade para os mesmos de sempre pagarem a crise que alguns provocaram e de que largamente benefici(ar)am! Acrescem ainda as explicações/justificações do costume por costumeiros anafados analistas, com a opinião pública vergada ao peso dos grandes números, exibidos por malabaristas travestidos de ‘cientistas’ e bem pagos pela pantomina das percentagens.... No caso doméstico, a descarada singularidade de uma ‘troika’ incumbida de salvar a pele dos subservientes e mal-amanhados decisores nacionais. Porque não lhes bastava – sabiam-no bem – escudarem-se no academismo de teorias construídas – sabe-se há muito – para justificar o anormal esbulho social dos últimos 30 anos!

Alternativa, precisa-se, pois – e com urgência!
(...)

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