domingo, 11 de setembro de 2011

Uma agenda (liberal) de transformação estrutural do País!

Nos últimos dias, o Governo (e acólitos de serviço) tem vindo a reivindicar o papel de vítima. A pretexto de críticas sobre a ‘sua’ política de austeridade. Diz que não lhe está a ser concedido o habitual ‘período de graça’ a que teria direito, pois ao cabo de dois meses de governação chovem críticas, imagine-se, de dentro dos próprios partidos que o suportam. Destacadas figuras, tanto do PSD como do CDS – mais do primeiro, um ‘must’ da política caseira – têm verberado, com mais ou menos veemência e notório mal-estar, a pressa com que o ‘seu’ Governo pretende implementar o pacote de medidas acordado com a ‘troika’. O incómodo causado no visado é bem visível e de pronto se revelou em descabelados ataques à crítica e ao direito de manifestação!

Porque, valha a verdade, a contestação à austeridade imposta pouco ou nada se tem feito sentir, no Parlamento ou nas ruas, pois até agora ainda não passou das ameaças. Mas quem se pôs a jeito para as críticas começarem tão cedo foi o próprio Governo, a ‘rapaziada’ que o constitui e lhe dá lastro, dentro e fora das instâncias do poder. As suas mais destacadas figuras, Coelho, Portas ou Relvas, afirmavam, ao tempo do anterior, ter todas as medidas preparadas para avançarem e salvarem o País, disporem de uma alternativa à então considerada ruinosa gestão do PS (a única verdade em tudo isto?), sem desdenharem, desde logo, o ensejo de contribuírem, convictamente empenhados, para a farsa da inevitabilidade deste ‘memorando’... negociado pelo PS! De que se queixam, afinal?

E foi assim que, apanhados no poleiro, ansiosos de ‘levar a mão ao pote’ (nunca tal expressão foi tão bem empregue!), ei-los pressurosos a cumprir as exigências externas nele consagradas e, não contentes com as malvadezes aí impostas aos trabalhadores (quase exclusivamente), decidem ir bem mais além do acordado e disso fazerem alarde e doutrina.

Percebe-se a intenção. Deve malhar-se o ferro enquanto está quente. O que o Governo pretende – e não o esconde – é, à sombra da ‘troika’, fazer passar e aplicar uma completa ‘agenda de transformação estrutural’ do País. Como ainda recentemente o explicou, com todas as letras, o inefável ministro Gaspar, cada vez mais o regente destacado para concretizar as intenções dessa finalmente escancarada ‘agenda liberal’.

Se bem que o excesso de zelo que aparentemente transparece da fúria austeritária a que o Governo se entregou possa suscitar outras explicações. Para uns, trata-se apenas de mera prudência, um simples gesto de boa gestão: o Governo age deste modo por precaução, tendo em vista ganhar uma almofada de segurança para eventuais derrapagens, face aos riscos de um futuro que se apresenta muito incerto. Para outros, o Governo pretende transmitir aos mercados a sua determinação no saneamento financeiro das contas externas, afirmar uma ideia de eficácia e rapidez na política adoptada, por forma a readquirir-se, tão depressa quanto possível, a confiança perdida.

A verdadeira e cabal explicação, contudo, parece encontrar-se mesmo a outro nível, na assumida ‘agenda liberal’ que pretende impor ao País. Agora, com o aval da ‘troika’, tudo se tornou mais fácil. E até se prepara para, de caminho, encontrar a folga financeira de que precisa para avançar com uma das medidas mais emblemáticas dessa ‘agenda’, a redução da TSU, que assim poderá ser levada à prática sem recurso a nova medida específica ou adicional, poupando-se ao odioso de mais um qualquer corte, taxa ou imposto, em cima de tanta austeridade.

Uma agenda liberal com objectivos há muito definidos e que, a ser cumprida conforme pretendem os seus promotores, mudará radicalmente o País. Com base no critério exclusivo e universal do ‘valor económico’, é todo um programa de transformação social e cívica, dos valores ao modo de vida, das estruturas à mentalidade, que se pretende levar a cabo. Bem reflectido, desde logo, na destruição do Estado Social (e na adopção do ‘modelo assistencialista’), com os direitos sociais reduzidos a meros favores. É certo que o voluntarismo sobreleva a realidade, o academismo teórico de prosélitos inebriados o simples bom senso temperado de experiência. Mas os estragos políticos, com graves reflexos na vida das pessoas, estão garantidos. Resta saber em que dimensão.

Enquanto isso, a esquerda parece ainda aturdida, a recuperar do forte desaire eleitoral de Junho passado. Nem o tom de uma aparente viragem à esquerda que transparece do discurso de Seguro no Congresso do PS, em cura de oposição, pode sossegar quem quer que seja. A experiência histórica dita o contrário e, gato escaldado... Saúda-se a mudança no discurso, mas resta então ver até onde a prática política acompanha as intenções proclamadas, que contributo este PS estará em condições de dar para a construção de uma inadiável alternativa de esquerda a esta agenda liberal. Sem grandes expectativas, porém.

Sem comentários: