segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Mágoas e sorrisos neste ‘quente’ verão cinzento

Apanhado entre duas saídas, não resisto a rubricar aqui a primeira impressão deste Agosto que agora desponta. Início de mês e da semana, para a maioria o começo das férias, logo de manhã a ânsia informativa leva-me às notícias dos canais televisivos. Domina o acordo obtido pela madrugada entre democratas e republicanos sobre o aumento da dívida norte-americana, são conhecidos novos elementos que indiciam o agravamento da situação social na Síria (já com mais de uma centena de mortos apenas nos últimos dias), opositores detidos em Moscovo, a polémica Portas-Jardim ou o início das dissensões no seio da maioria, a troika de volta para fiscalizar a aplicação do memorando (1ª avaliação trimestral de bom comportamento), o BPN entregue de ‘borla’ pelos amigos de Mira Amaral aos angolanos do BIC, os transportes públicos mais caros a partir de hoje com aumentos que chegam a ultrapassar os 20%,...

Ressuscita a Comissão de Utentes da Ponte 25 de Abril para organizar novo buzinão contra a quebra da tradição de não se pagarem portagens durante o mês de Agosto. Mas os murmúrios e os sinais de um crescente mal-estar geral – que se sente mas ainda não é bem visível – parecem, por enquanto, mais de expectativa do que de tensão.

Por entre o amontoado de notícias e reportagens, porém, nenhuma me prendeu mais a atenção do que o directo obtido numa estação de comboios dos subúrbios de Lisboa. A propósito dos atrasos provocados por obras na via, com os ‘normais’ impactos negativos no quotidiano dos utentes (ficamos a saber que a CP ‘culpa’ a Refer pela situação...), a repórter interroga uma senhora sobre os novos aumentos tarifários. A resposta, serena e dorida, de alguém que vive sozinha por conta de um rendimento mensal à volta dos 600€, informa-nos que o aumento do seu passe se cifra em 8,25 euros!

A serenidade melancólica e o dorido sorriso que se escapam do rosto da interpelada enquanto responde às perguntas que lhe são postas, contrasta com a dramática realidade contida nestes números. Quase que chega a ser chocante e é decerto incompreensível a infinita paciência e a capacidade de resignação demonstradas neste instantâneo, obtido numa manhã cinzenta deste Agosto farto de míngua. Esta é, sem dúvida, a imagem de um certo país real que tantos dizem saber interpretar. Ao lado, é claro, dos que tiram partido da situação e amealham à conta da penúria, como o refere a notícia de há dias de os mais ricos terem, em 2010, aumentado os seus proventos em mais de 17%!!!

Não posso deixar de me interrogar sobre se esta é mesmo a única imagem do país real. Ou se, para além das esperadas movimentações institucionais (partidárias, sindicais, corporativas,...), os que sofrem os efeitos desta austeridade sem sentido vão aguentar durante muito mais tempo o peso da catadupa de medidas que já levam mais de dez longos anos de ininterruptas vagas de agravamento, mas que parecem ter apenas agora começado. Ao brutal e inédito aumento dos transportes, segue-se a privatização do que resta de rentável do sector público (fragilizando, em nome da ideologia responsável pela crise – é bom sublinhá-lo as vezes que forem necessárias – a capacidade financeira do Estado), mais restrições aos serviços públicos básicos (até onde terão coragem de levar o desmantelamento do SNSaúde?), maior precarização do trabalho com o consequente aumento do desemprego, alterações na estrutura do IVA, ‘saque’ ao 13º mês,...

Depois do socialista Sócrates ter cumprido o papel de facilitar a abertura ao capital – à semelhança dos seus congéneres e restantes social-democratas desta descaracterizada Europa – cabe aos sociais democratas lusos, no papel dos neoliberais deste globalizado planeta, prosseguir (concluir?) a tarefa de desmantelar o que resta de serviços públicos e privatizar o que, no final, ainda sobrar do Estado capaz de gerar lucro (segurança?, justiça?, prisões?,...). Sabendo o PS neutralizado pelos compromissos assumidos com a troika, agem com rapidez e total impunidade. Indiferentes às dificuldades e aos ‘pequenos’ dramas pessoais, dos milhões de pessoas que fazem o país e que apenas contam como número estatístico capaz de transferir (ou extorquir) valor significativo do trabalho para o capital, ou como contribuintes para preencher os desvios, legais que sejam, da ruinosa gestão das negociatas em que se envolvem.

Até onde, pois, os sorrisos darão lugar à raiva, a resignação à revolta?

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