domingo, 3 de julho de 2011

Chamaram-no? Agora aturem-no!

Os últimos meses antes das eleições legislativas mais pareceram uma desenfreada cavalgada dos partidos parlamentares estranhamente atraídos para o abismo! Percebia-se a estratégia da atracção da direita (PSD e CDS), ansiosa por ‘meter a mão no pote’: com o pano de fundo da crise propício e os ventos europeus a favor, bastar-lhe-ia esperar que, por estranhos propósitos, a esquerda (PCP e BE) se estatelasse, contando para isso com o híbrido centrão, conduzido por um PS, também ele preso de uma estranha vertigem suicidária (o episódio do secretismo em torno do PEC IV está ainda por esclarecer). E não foi preciso esperar muito para tal estratégia resultar. A chegada ao poder da direita acontece, pois, em condições que lhe são bem favoráveis, por deferência e especial obséquio de uma esquerda que demonstra sérias dificuldades em aprender com as experiências passadas.

Coube ao PS, pendurado ao centro (como de costume) e alienado da esquerda (como é frequente), preparar o caminho e abrir a porta à sua entrada: pela via menos imaginativa, de PEC em PEC até à ‘troika’ final, mas também (talvez até sobretudo) através do trabalho feito junto da opinião pública, preparando-a para aceitar, em nome de uma hipotética redenção num futuro a perder de vista, todas e quaisquer medidas de uma austeridade ilimitada e sem garantia de sucesso, levando-a resignadamente a reconhecer, como inevitável, todas as malfeitorias que, em consequência, entenderem infligir-lhe.

Não soube a esquerda (PCP, BE e tantos outros) contrariar o discurso de todas as ‘inevitabilidades garantidas’, lutar contra o medo e o desespero que se foi infiltrando, apresentar alternativas viáveis ao curso do inevitável, desmontar convictamente a estratégia da direita. Não só não o soube fazer, como até com ela se conluiou bastas vezes e, de mãos dadas, passo a passo, se chegou a este ponto!

Agora, mais que expectativas, restam perplexidades, bem reflectidas na quase paralisia no tom dos discursos com que a esquerda enfrentou o debate do programa de Governo na AR – com um PS em estado catatónico, amarrado aos compromissos que ele próprio teceu! Se, por um lado, a clarificação ideológica de uma direita que se proclama e gaba de ultraliberal (mesmo que temperada por uma serôdia e desusada democracia-cristã) pode ser vista como salutar, o certo é que o resultado desta governação poderá vir a afirmar-se pelas piores razões e os seus efeitos perdurarem por muito tempo, traduzindo-se num recuo social de consequências imprevisíveis.

Para já, o que sobra da substância do debate, é o propósito central de desferir o golpe de misericórdia no Estado Social, de o transformar num Estado Assistencialista, recuando quase um século na concepção dos direitos sociais e humanos. Constitucionalmente garantidos, adiante-se. À mistura com convenientes medidas imediatas de fácil pendor popular e garantida aceitação: extinção dos Governos Civis (à mistura com um imbróglio constitucional); suspensão do fecho de escolas do 1º Ciclo no interior do país (à mistura com o contrário do que consta no ‘memorando’); utilização dos militares no combate aos incêndios florestais (à mistura com o facto de não ser inédito); abolição do lugar de sub-director dos centros regionais da Segurança Social,...

Pelo meio, uma nota simpática, quanto ao estilo do novo ministro das Finanças: directo, objectivo, sem rodeios, diria quase ‘naïf’ nas respostas. Questionado por uma jornalista sobre se podia adiantar a data de um determinado evento, respondeu simplesmente: ‘Não posso, não senhor’! Lapidar. E um sorriso. Quanto ao resto – e o resto aqui é tudo – as expectativas são nenhumas: quem, aos 17 anos, se dá ao trabalho e consegue ler o ‘Capital’ de Marx, para, aos 50, se dizer admirador de M. Friedman... Para quem tem em mãos a principal tarefa do programa de Governo de Passos...

Perante as novas medidas anunciadas (outras se seguirão), depois das juras da campanha eleitoral, apetece apenas dizer: Chamaram-no? Aí o têm! Agora aturem-no!

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