terça-feira, 12 de julho de 2011

As regras do mercado - I

Da descontrolada crise do Euro...

Após uma primeira, unânime – e algo inesperada – reacção de protesto à notação da Moody’s ao risco do país por parte de políticos e analistas, desalentados com esta posição, começa agora a fazer-se sentir algum desconforto com essas reacções, tidas por excessivas e pouco objectivas, contrárias à ‘inevitável’ e sacrossanta vontade dos mercados. Vontade exemplarmente expressa, começa a perceber-se melhor, nas análises e orientações das agências de rating, erigidas em guardiãs da lei e da fé. Contrariá-las representava, até agora, sacrilégio intolerável e – asseguravam-nos – inútil e mesmo contraproducente, pois elas representavam a nua e crua realidade, hostilizá-las apenas contribuía para atrasar a recuperação da necessária confiança dos mercados!

De repente, porém, até os que consideravam o seu papel intocável, se atreveram a pô-las em causa. Para além dos aspectos psicossociais envolvidos nesta posição (assomos de serôdio pendor nacionalista?), a aparente contradição que ela comporta sugere, para já, o destaque de três notas mais objectivas:

A primeira tem a ver precisamente com a surpresa manifestada por aqueles que agora se manifestam, mais que surpresos, indignados: é que a Moody’s ‘apenas’ se manteve na lógica das suas anteriores intervenções! Daí que o desconforto pela posição dos neo-indignados surja por parte do núcleo duro teórico, receoso de que esta escalada acabe por abalar toda a construção económica/política neo-liberal. Que possa pôr em causa as políticas de austeridade, o processo de transferência de valor do trabalho para o capital. As críticas viram-se então para as instâncias europeias (enquanto utilizadores dessas notações), acusadas de lhes darem a importância que, afinal, até nem merecem assim tanto (!). E de contradição em contradição se vai pontuando esta atribulada crise do Euro, cada vez mais próxima da sua mais que provável extinção – por auto-implosão!

A segunda – destacada, em especial, por Manuela Silva (SIC/Expresso da Meia Noite) – alerta para o que deve ser considerado essencial neste processo: mais do que apodar de abusivas, parciais ou fraudulentas as intervenções das agências de rating, atribuindo-lhes empenho directo na crise do Euro (interesses cruzados), importa perceber que por trás de tudo isto alastra o processo mais vasto de financeirização da economia global, centrado na valorização do dinheiro, arredado da economia real e das pessoas. A bolha financeira mundial assume proporções imensas (estima-se sete vezes a economia real), no horizonte perfila-se, eminente e ameaçadora, uma devastadora catástrofe! O desprezo pela realidade, ditado pela arrogância ideológica, ameaça acabar em auto-destruição!

O que nos permite, em terceiro lugar, desembocar na questão central da própria sobrevivência do capitalismo, dos múltiplos recursos e inúmeras artimanhas de que dispõe para ultrapassar as crises que vai produzindo, como a presente, em que se vê confrontado com a debilidade crescente da procura: depois de esgotada a via do crédito barato como forma de compensação para a diminuída capacidade aquisitiva dos consumidores (por força da sistemática redução do peso do trabalho no Rendimento Nacional empreendida nas últimas três décadas), o que resta então a um sistema que se constrói na base do consumo? A realidade assim o determina: sem consumo não há capitalismo e sem procura solvente não há consumo.

Subsiste, é certo, ainda e sempre, o magno problema com que o sistema se confronta, o de o seu princípio vital – o crescimento contínuo (sem o qual surgem as crises...) – esbarrar num mundo de recursos escassos, o da expansão ilimitada da economia se confrontar com os limites do planeta. Mas isso, que atinge o âmago do sistema, também fica já para lá dele, não está ao seu alcance resolvê-lo, transcende-o.

Por agora, importa olhar um pouco além da ‘mera’ crise do Euro, entrar na questão central que impede a sua resolução e a de todas as crises capitalistas, a procura solvente.
(...)

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