quinta-feira, 14 de julho de 2011

As regras do mercado – II

... à incontrolável crise do sistema

No meio do amalgamado de informações que se vai abatendo sobre a Crise do Euro, contribuindo mais para a avolumar do que para a acalmar (e muito menos resolver), ninguém ainda se lembrou (ou parou para pensar) nas consequências que, a prazo curto, irá ter o fim generalizado do crédito barato, depois que se constatou que a sua lógica desembocava... no incumprimento, na dívida incobrável, na insolvência – das famílias, das empresas, até dos Estados.

O capitalismo vive do momento, das respostas aos problemas no imediato. Talvez isso explique a razão de, até agora, ter sido ignorada (ou nem sequer se ter ainda equacionado) a questão, com relevância para o equilíbrio geral do sistema, de se saber como se irá comportar a procura, a partir de agora. Depois da atrofia a que o poder aquisitivo dos assalariados foi sujeito ao longo das três últimas décadas, restou o acesso ao crédito barato para se permitir escoar a produção dos carros alemãs, dos telemóveis finlandeses, dos computadores japoneses,...

Agora, comprovada a dívida excessiva e o risco de incumprimento, sumiu-se a capacidade de endividamento, público e privado, estancou-se o recurso ao crédito criado como forma de compensação para os baixos rendimentos dos consumidores, o que terá reflexos e não deixará de afectar a procura externa, com óbvias repercussões nos tradicionais países exportadores (e respectivas balanças comerciais). Desde logo, na proporção do peso que os atingidos pela crise da dívida tiverem no comércio mundial, mas depressa esse movimento alastrará em bola de neve. Porque esta crise não afecta só, porventura nem principalmente, Portugal ou a Grécia (e de um modo mais geral, a periferia europeia), ela abarca e passa um pouco por toda a Europa (Alemanha incluída) e atinge, talvez ainda em maior grau (resta ver o que aí vem...), os EUA, o Japão,...

É sabido que, por enquanto, será possível contar com o crescente poder aquisitivo dos ‘periféricos’ fabricantes de componentes (China, Índia,...) para os produtos industriais do ‘centro’ altamente desenvolvido. Não se pode ignorar a capacidade imensa que estes novos mercados constituem pelo que, seguramente durante algum tempo (quanto mais?), irão suportar ainda o escoamento da produção e alimentar o funcionamento da máquina. Pelo menos até ao momento em que eles próprios, após um período de rápida aprendizagem, passem a dominar a tecnologia e a produzir os mesmos produtos altamente evoluídos dos países do ‘centro’.

Os poderes políticos instituídos, da Europa aos EUA, dominados pela exclusiva preocupação da resolução da crise das dívidas, parecem propositadamente alhear-se do que a explica e a (re)produz, a crescente debilidade das diferentes procuras. Paira no ar o receio de poder soçobrar a complexa rede financeira estabelecida a nível global nas últimas décadas e com ela o sistema económico, na versão neoliberal, que a teceu. Daí que, obcecados pela retoma do rumo interrompido pela brutal destruição de valor sofrida no pós crise de 2008, apenas admitam o cenário que privilegia a recomposição do abalado poder financeiro, por transferência de valor do trabalho através das políticas de austeridade que têm vindo a ser impostas por toda a parte. Esta é, aliás, a marca distintiva do neoliberalismo: o desvelo posto no suporte ao sector financeiro, contrasta com o desleixo (ou desprezo?) com que as pessoas – e a economia real – são tratadas.

Parece arredada, pois, qualquer tentativa fora dos cânones neoliberais para inverter este processo (como o keynesiano reforço da capacidade aquisitiva, pública e privada). Os efeitos daí decorrentes, contudo, tenderão a irromper em incontrolável cascata, com um poder de destruição, a nível económico e social, muito superiores aos de 2008. Afinal, tratar-se-ia aqui apenas, para já, de garantir a estabilidade no funcionamento do sistema, de preservar o modo de produção e consumo de massas, de assegurar a manutenção do estilo de vida ocidental, posto em causa quando se desconjunta a máquina que gera o consumo – que é aonde levam estas políticas de austeridade, justificadas como inevitáveis pela desconfiança dos mercados: palavra das agências de rating! Essas mesmas que, sem pudor e sem razão, atribuíram ao país a classificação de ‘lixo’!

Que se aprestam a desempenhar a função da orquestra no afundamento do Titanic!

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