sábado, 11 de junho de 2011

Após o veredicto eleitoral, a esquerda...

Sem surpresas, o domingo eleitoral determinou a vitória do discurso do inevitável sobre a ténue esperança de uma ainda possível alternativa política, desde cedo anatemizada de inviável. A direita encheu com o esvaziamento do PS e do BE, toda a esquerda recuou para a míngua dos tempos do cavaquismo – nem o deputado a mais do PCP consegue ilidir o facto de que, até este partido, de indefectíveis e arregimentados fiéis, perdeu votos relativamente às anteriores de 2009!

No rescaldo destas eleições e perante a gravidade do momento actual – por via da iniludível ‘crise da dívida’ – três temas/áreas principais parecem concentrar agora a atenção da esquerda:

1. A urgência na reestruturação da dívida
Ganhou a aceitação resignada na inevitável austeridade – a que foi vertida no inevitável ‘acordo da troika’ e a que se lhe seguirá; falhou a tentativa de se começar já a preparar uma alternativa política ao inevitável. Não obstante, a interrogação agora é a de saber quando (não ‘se’) e em que condições terá lugar essa inevitável reestruturação da dívida, pois já hoje ninguém parece contestar a sua necessidade, face à impossibilidade material de a solver nas condições acordadas.

A tese da ‘quebra de credibilidade’ para justificar não o fazer de imediato, adiando-o para ‘talvez daqui a um ano’ – seguramente em condições, de montante e de desgaste da ‘capacidade de esforço’, bem mais penosas – apenas esconde a verdadeira agenda do Directório germânico, estabelecida, em função dos interesses financeiros que representa (banca em especial), para 2013, por forma a permitir-se, até lá, o expurgo do ‘lixo tóxico’. Operação de limpeza feita à custa, como é sabido, sobretudo dos contribuintes dos países da periferia, para já a Grécia, Irlanda, Portugal e, em menor grau (por enquanto), Espanha.

Por sua vez, a alternativa de uma reestruturação imediata da dívida não se apresenta tarefa fácil. Mas perante o anunciado descalabro económico e social da austeridade imposta para a resgatar, ela terá de ser tentada por todos os meios legais disponíveis. A começar pela exigência de uma auditoria à dívida para nela se apurar, com rigor, o que é resultado de obrigações efectivamente contraídas, ou apenas o efeito (ilegal e/ou imoral) das operações especulativas a que tais obrigações foram sujeitas, impulsionadas por mecanismos de duvidosa isenção (processo em curso às agências de rating...).

Para ser eficaz, contudo, deveria tentar-se que tal auditoria fosse lançada de forma coordenada a nível europeu (ou, no mínimo, no conjunto dos países mais ameaçados, Espanha incluída). O que, na fase actual do ‘salve-se quem puder’, de modo algum parece muito viável. Ainda assim...

2. A prioridade na defesa do Estado Social
Não por acaso, toda a estratégia da campanha eleitoral da direita, centrou-se num único objectivo: garantir a aplicação imediata do ‘acordo da troika’, pois só ele irá permitir, finalmente, expurgar das estruturas sociais, quiçá até da constituição, os últimos resquícios do projecto social iniciado (vagamente) com o 25 de Abril. De forma alguma querem perder a oportunidade de acentuarem a captura do Estado pelos interesses privados (privatização do Estado?), eliminando (ou reduzindo) o carácter social da acção pública, limitando esta às suas funções administrativas, da segurança e da justiça: ao contrário do proclamado, o liberalismo de que tanto falam é essencialmente económico, só a contragosto admitem prolongá-lo para outras áreas da sociedade.

Concluída a 1ª fase do assalto final ao Estado Social – visto como principal responsável pelo despesismo público e consequente desequilíbrio das contas externas – por parte das denominadas ‘forças do mercado’, nunca como agora a sua defesa foi tão emblemática, muito para além dos inegáveis benefícios sociais (e materiais) que distribui. Nela se joga o futuro de um adquirido civilizacional construído nos últimos 60 anos em torno do conceito de solidariedade, numa luta que vem opondo dois modos diferentes de gerir o sistema: (1) manutenção de alguma decência na organização social do capitalismo, regulando o acesso e a repartição dos recursos gerados; ou, como propugnam os neoliberais, (2) a entrega dessa decisão à livre disputa dos agentes económicos, equivalendo ao regresso à lei da selva (capitalismo selvagem).

Neste contexto, não surpreende que toda a esquerda (incluindo o PS, resta ver como) tenha definido como prioridade estratégica da sua acção política, impedir a destruição do Estado Social.

3. A esquerda com futuro
Mas a dimensão do desaire eleitoral, pese embora a envolvente política e económica muito adversa em que se desenrolou, tanto a nível interno como externo, deve levar a esquerda (toda a esquerda, do BE ao PCP, passando pelo PS) a: (1) ponderar, antes de mais, sobre os erros cometidos que o explicam, sejam de acção, omissão ou até de perspectiva; (2) repensar o papel que cabe a cada partido desempenhar no processo de transformação social, enquanto actor histórico investido de responsabilidades delegadas (por forma a evitar a percepção da inutilidade do voto aos eleitores); (3) apostar numa renovação assente na valorização mais daquilo que os une (‘aprender’ com a direita?), sem esquecer as diferenças que os separam e os enriquecem, mas que, levado ao absoluto, tem conduzido a bloqueios absurdos e nefastos. E sobre os quais importa reflectir e agir em conformidade.

Os próximos tempos, até pela carga de protesto que anunciam, irão certamente testar a capacidade (e disponibilidade) de cada um destes actores para convergir a respectiva prática política em acções comuns, constituindo uma boa oportunidade para se tentar o expurgo do sectarismo dos métodos de actuação actuais – em claro benefício dos propósitos de sempre, e decerto, espera-se, do futuro de todos. Os exigentes confrontos sociais de hoje assim o ditam: ou a esquerda, toda a esquerda, percebe e aceita que a fase do ‘cada um por si’ e das ‘capelas’ chegou ao fim (sabendo daí extrair as devidas ilações práticas), ou então pode bem acontecer o fim destas esquerdas (ou das que assim o não entenderem). O que, de modo algum, significará o fim da Esquerda ou dos ideais que a identificam!

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