segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sobre a crise do trabalho – III

A ‘classe’ dos ‘working richs’

É com a actual crise global e o inevitável aprofundamento das clivagens sociais que o domínio das políticas neoliberais foi segregando que se atinge uma consciência mais aguda e mais generalizada do grau de desigualdade existente nas sociedades actuais. E a linha de demarcação passa, uma vez mais, pelo trabalho, (1) antes de mais, entre os que o têm e os que dele foram excluídos (não interessa agora saber as razões múltiplas para tal situação), (2) depois e sobretudo, dentro dos que o têm, entre produtores/operacionais e executivos, entre a produção e a gestão (aqui se incluindo uma boa parte dos quadros, técnicos e dirigentes, que a prepara e executa). Aprofundam-se, pois, as disparidades dentro do trabalho assalariado, de onde emerge uma elite disposta a tudo para garantir privilégios alcançados. Toda a lógica da ideologia neoliberal se constrói então em torno dessa selecção e da enorme massa de precários que daí resulta – e a sustenta!

Não admira, pois, que seja nessa classe dos ‘WR’ que o sistema recruta a base ideológica que o suporta, constituída pela plêiade de comentadores que todos os dias se (nos) entretém a massacrar a nossa paciência. Ou pela cabalística seita dos analistas de ‘rating’, detentores de misteriosos poderes que lhes permitem continuar a reger a crise que desencadearam – e desse modo a ditar o destino dos países! Que, em tal contexto, se desunham na defesa encarniçada da tese da inevitabilidade do mercado e na matemática das vantagens de este actuar livre de condicionalismos e constrangimentos, pois, afiançam, só o funcionamento automático do mecanismo garante a sua máxima eficiência – pudera, a sua prosperidade assenta na defesa do ‘status quo’! Que debitam a teoria das falhas de mercado, atribuídas à intromissão do Estado na economia, aos excessos do Estado Social,... – com enorme descaramento, sublinhe-se, atentas as intervenções de resgate deste na fuga ao descalabro (ou salvação) do sistema!

Mas não é só no plano ideológico – e, bem entendido, na sua extensão objectiva à liderança da economia, habilmente orientada em proveito próprio – que os ‘WR’ se esmeram e fazem por se distinguir! É sobretudo no plano dos valores que a ‘sua’ tão acrisolada defesa das virtudes do liberalismo económico mais se faz sentir. E aí não creio, a avaliar pelos efeitos práticos mais visíveis da actual crise, que a evolução dos últimos anos tenha sido para melhor, bem pelo contrário. A valorização do individualismo liberal sobrepõe-se à solidariedade social, a prevalência do ganho imediato e fácil ao resultado do esforço sedimentado, a competição agressiva sobre a cooperação solidária, a eficácia que justifica o desperdício irresponsável sobre a sustentabilidade ambiental, a especulação financeira sobre os hábitos de poupança e frugalidade, a ostentação à moderação...

De tudo isto resulta então que não só os ‘WR’ se servem da ideologia para proveito pessoal, como ainda (e ‘pour cause’) a sua acção, decisiva na condução dos destinos do mundo, tende a reduzir o futuro à dimensão das suas ambições pessoais, ao descalabro. Custa a crer, com um tão elevado número de ‘alternativas’ em espera (muitas já a caminho de uma forçada emigração), ainda subsista, por vezes, o estranho argumento do ‘risco de fuga de cérebros’(?) para justificar tão elevadas remunerações.

Pois que fujam então, todos sem excepção, se o que os move é apenas ‘competir por altos salários’! Os resultados dessa ‘abjecta competição’ confundem-se com os da própria crise, pois constituem uma das causas do desastre financeiro que a ela conduziu. Não satisfeitos, procuram agora desesperadamente a salvação no cínico apelo à ‘união nacional’ de esforços, procurando fazer passar a ideia de uma merecida expiação colectiva – porque, dizem, todos têm (as mesmas) culpas no descontrole a que a situação da ‘dívida externa’ chegou!

O descaramento de quem assim procedeu e, alijando responsabilidades, agora sente ter condições para voltar a defender as mesmas receitas, parece mesmo não ter limites! Pior é não se ver no horizonte próximo quem lhes possa pôr freio! – não obstante tímidas (?) tentativas em contrário: o caso da Islândia, o processo às agências de ‘rating’,...

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