segunda-feira, 18 de abril de 2011

Mudar de vida

De repente parece que acordámos para uma realidade que considerávamos afastada, como integrantes do Euro, esse 'clube de ricos e famosos' acima de qualquer perigo ou risco. Havíamos encetado um modo de vida em tudo igual aos dos ditos países tradicionalmente ricos, adquirido hábitos de consumo próprios dos mais abastados, os indicadores de bem estar económico do País ombreavam já com os do topo das tabelas dos mais afortunados. De repente, porém, começam a acusar-nos de consumo excessivo, de esbanjamento de recursos (à mistura com insinuações de corrupção), de gastarmos acima das nossas posses, a apontar-nos como mau exemplo de gestão financeira, de ultrapassarmos perigosamente a capacidade de endividamento.

Durante largos anos, esses acusadores beneficiaram de um modelo de consumo assente no crédito e endividamento crescentes (do Estado e das famílias), prosperaram à custa do inebriamento consumista que dolosamente fomentaram (por forma a compensarem os débeis recursos das famílias) e lhes serviu para alimentar a sua abundância e prosperidade. Sabendo até – uns e outros, valha a verdade – que este modelo iria encaminhar-se, mais cedo ou mais tarde, para o desfecho agora provocado.

À parte a mistificadora pretensão de se tentar meter tudo no mesmo saco com o habitual tratamento do ‘todos nós’ (fazendo crer numa pretensa responsabilidade colectiva e na necessidade de uma igual repartição das restrições), é óbvio que eles acertam quando dizem que estamos a gastar demais, que consumimos acima das nossas possibilidades. É verdade – ‘nós’ e ‘todos os outros’! Ao falarem assim, contudo, pretendem dizer que ‘só nós’ (Portugal) devemos reduzir os níveis de consumo para o deles não correr riscos, que devemos pôr as contas em ordem. À custa, claro, de apertos generalizados que afectam sobremaneira quem já dispõe de menos recursos. Trata-se, naturalmente, apenas de uma parte do problema, a menor na equação global que importa aqui resolver, pois os credores são co-responsáveis pelo descalabro!

Que há diferenças de produtividade? Que uns produzem mais do que outros? É verdade, mas hoje já poucos têm a coragem de afirmar que tal se deve a atávicos vícios de preguiça, que atingiria mais uns países que outros, a maioria já percebeu que o problema se encontra sobretudo ao nível da gestão e organização do trabalho (a par de outros factores, é certo, como a disponibilidade de recursos naturais; ou o modelo de especialização produtiva – que diferencia a Alemanha de Portugal, por exemplo), também aí as receitas que propõem penalizam o lado errado da equação, pois os gestores – os verdadeiros responsáveis pela diferença da produtividade – por uma bizarra teoria de equalização de competências, pagam-se por igual seja qual for a produtividade do sítio em que operam. Quem realmente acaba por pagar essa diferença são os produtores que, afinal, trabalham o mesmo aqui ou na Alemanha – se em condições de organização idênticas.

Todos, afinal, pretendem ignorar o aspecto essencial: deveríamos consumir menos, reduzir o esforço sobre os recursos do planeta. Mais uns do que outros, como é óbvio, porque nesta alhada para onde cada vez mais a Humanidade foi empurrada, a responsabilidade não se distribui de igual modo. Há estratos populacionais (para falar na linguagem cara ao sistema) que mantêm um nível de consumo e sobretudo de desperdício verdadeiramente excessivos, senão mesmo criminosos – o estado a que se chegou autoriza (e impõe) cada vez mais falar-se nestes termos.

Alterar este modo de vida, eis o grande desafio. Reduzir o consumo, evitar o desperdício, travar o crescimento económico, são conceitos anatemizados pelo sistema e, seguramente, pelo comum das pessoas e até a generalidade dos técnicos. A lógica do mercado assim o impõe, pois outro modo de vida iria pôr em risco o princípio que o sustenta e lhe dá sentido, a acumulação contínua. A sobrevivência do sistema, contudo, é feita à custa da delapidação incontrolável dos recursos, da sobrevivência do planeta. Custa a crer a cegueira que empurra a Humanidade para um anunciado abismo, sem capacidade de reacção para lhe pôr termo!

Mas isso já só irá acontecer quando não houver fuga possível, quando as condições assim o obrigarem – quando, provavelmente, for já demasiado tarde!

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