sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A censura do pensamento único à moção de censura – I

Moção de censura às políticas...

Todos os comentários produzidos a propósito do anúncio da moção de censura do Bloco ao Governo acentuam, com raras excepções, a ‘aritmética da coisa’. Num sistema que privilegia unicamente a eficácia, o que importa é o resultado final: o Governo cai ou fica? Tudo se resume à dança das cadeiras, pois neste quadro todos dão por assente, quaisquer que sejam os protagonistas, a continuidade, senão até o aprofundamento, das mesmas políticas. O debate não se centra nas políticas e nas suas eventuais alternativas , apenas nos seus executantes e alternantes. Exercício inútil, tacticismo sem futuro, calculismo inconsequente, foram, pois, apenas alguns dos mimos com que tal iniciativa desde o início foi presenteada.

Ao invés, o Bloco, ao centrar a censura nas políticas, mais do que no oportunismo das alternâncias conjunturais, estabeleceu desde logo os termos e pressupostos para a discussão da mesma. Daí que não surpreenda o tom do discurso nas justificações avançadas pelos partidos que já anunciaram a sua rejeição (abstendo-se), mesmo antes de ser conhecido o texto que a fundamenta. Para além do cálculo quanto à oportunidade da sua apresentação, esta mais que previsível reacção decorre tão só da impossibilidade lógica de, os que se identificam e suportam as políticas em causa – executantes ou alternantes – as virem agora condenar.

Deste modo, uma moção de censura que o ‘pensamento dominante’ (a corrente vulgar do pensamento único) desde cedo censurou, apodando-a de ‘maldita’, sob pretexto de inoportuna aos sempre invocados (e muito oportunos!) ‘interesses nacionais’ – esconso onde se acobertam todos os interesses particulares – prepara-se para, muito antes da sua concretização, cumprir o seu papel: o de certificar quem suporta na prática as políticas de austeridade - embora continue a gritar contra elas - o de demonstrar que tais políticas, economicamente recessivas e socialmente discriminatórias, são sustentadas sobretudo pelos dois partidos do centro, PS e PSD (e o seu apêndice CDS).

Talvez então o mais importante dos objectivos que a moção do Bloco visava tenha já sido alcançado com a curiosa mas bem significativa reacção destes partidos à sua apresentação. Tão curiosa que, para o Governo a moção ‘vai ajudar a direita’; para CDS e PSD, pelo contrário, ‘vai ajudar o Governo’! Afinal uns e outros não deixam de ter razão, pois todos eles apoiam a política em curso. O seu único propósito é mesmo, pois, ‘apenas’ mudar os figurantes: todos contra o Governo, mas todos de acordo com as ‘suas’ políticas!

Havia-se instalado no País uma estranha promiscuidade nas críticas a este Governo (muito por culpa da sua própria ambiguidade e do partido que o suporta – socialista de nome, liberal na prática), com a direita frequentemente a assumir posições de esquerda, na mira de capitalizar o descontentamento popular que as medidas de austeridade impostas de acordo com o código neoliberal inevitavelmente provocam. Do lado da esquerda, é certo, nem sempre houve discernimento bastante para evitar tal confusão, para uma demarcação clara. Desta ambiguidade – já ninguém sabia ‘quem era quem’! – se valiam para corroborar a tese da bíblia liberal de que hoje as distinções políticas já não passam pela ‘velha’ divisão entre direita e esquerda, pretendendo-se, com isso, acentuar o dogma da inevitabilidade do mercado e as pretensas soluções técnicas (também inevitáveis!!!) dos planos de austeridade feitos à sua medida.

Para além da oportunidade de um profundo debate em torno dessas políticas, a moção teve, a meu ver, o mérito de (re)estabelecer as fronteiras e uma mais nítida distinção entre os que suportam (fautores e apoiantes) estas ‘políticas de austeridade’ – mesmo dizendo-se contra elas – e todos quantos as desejam combater e as confrontam com ‘opções políticas alternativas’.

Pois se o que verdadeiramente deve ser objecto de censura com esta moção são as políticas, de pouco ou nada vale a simples alternância de protagonistas para as executar.
(...)

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