domingo, 16 de janeiro de 2011

A cultura do novo capitalismo – I

Um sonso empertigado

Enquanto decorre a campanha presidencial, passa ainda nos cinemas o documentário ‘Inside Job – A verdade da Crise’, um impressionante relato apoiado em depoimentos recolhidos junto de alguns dos principais protagonistas da hecatombe financeira iniciada há cerca de 3 anos. Centrado, como é natural, em Wall Street e nos figurões que se entrincheiram nesta espécie de santuário do culto neoliberal. E por aqui se percebe que as crenças e convicções, o esforço matemático e as equações econométricas utilizadas como argumentação justificativa de suporte à desregulação financeira, apenas servem de muleta à boa realização dos interesses pessoais da plêiade de gurus empertigados e convencidos da sua elevada competência.

Não é possível evitar, no final, uma estranha sensação de frustração e desalento – pela impunidade que alardeiam os principais fautores do descalabro, imunes a qualquer punição (escudados num quadro legal criado para os proteger em situações de aperto) e pela presumida impotência em pôr cobro à tendência política que o causou, de novo dominante e sem oposição consistente no terreno (apenas o debate de ideias em torno dessas opções começa a fazer-se sentir). Não obstante a nota positiva com que termina ao enunciar, apesar do aparente retrocesso, que ‘vale sempre a pena tentar lutar’.

Foi também este sentimento de desalento que ‘animou’ o início da presente campanha presidencial. Alimentado na comprovada dificuldade em apear do poder os responsáveis pelo descalabro actual, tanto a nível interno como externo, dadas as regionais/globais ligações económicas e políticas. Nem os factos acusatórios apontados ao principal responsável nacional por esta situação (como mais antigo e mais proeminente actor da política) parecem ter feito grande mossa na couraça de honestidade fabricada ao longo dos anos de um ídolo que, afinal, como todos os ídolos, se comprova ter pés de barro. O ‘candidato Cavaco’ passeia-se pelo País com o à vontade de quem acredita que a impunidade compensa e até pode ser premiada.

Depois do ‘caso da U. Nova’ – salvo pelo ‘amigo’ Deus Pinheiro; do ‘caso BPN’ – ‘apanhado’, com os ‘amigos’, numa mal explicada e intrincada rede de corrupção (de funestas consequências para os contribuintes), surge agora o ‘caso da Aldeia da Coelha’ – onde, mais uma vez, aparece junto com os ‘amigos’ do BPN, numa trapalhada de terrenos e propriedades que o ‘candidato’ não tem interesse em explicar. Ou ainda, para compor o perfil, o rocambolesco (para dizer o mínimo) episódio das ‘escutas de Belém’! São, seguramente, mais trapalhadadas (e de efeitos muito mais gravosos) do que as que trouxeram Sócrates em polvorosa nos últimos 5 anos!

Desfeito o mito da isenção e honestidade de que o próprio se vangloria, o único valor que parece restar ao ‘candidato Cavaco’ é mesmo o de não trair os ‘amigos’, ainda que reconhecidamente corruptos (Dias Loureiro, Oliveira e Costa,...). Mas aí impõe-se, pelo menos, a dúvida: fá-lo por convicção e amizade ou por mero tacticismo na defesa dos seus interesses pessoais (receio de ser arrastado na queda)?

A pose hirta, a plástica de estadista, o perfil de competência e honestidade ‘acima de qualquer suspeita’, a retórica do ‘homem providencial’, tudo isso concorre para a formatação de um ‘boneco’ artificial, afinal, um sonso insuportavelmente empertigado. À imagem dos convencidos de Wall Street na origem da Crise, Cavaco absorveu bem o espírito do actual poder dominante (manha, insinuação, intriga, obtenção de resultados sem olhar a meios, lamechice q.b.,...), daí ele saber interpretar na perfeição ‘a cultura do novo capitalismo’ (título de um estimulante ensaio do sociólogo norte-americano Richard Sennett, sobre as ‘novas’ relações do trabalho): predomínio do curto sobre o longo prazo, eficácia a qualquer preço, avidez pelo lucro imediato, o martelar das teses sobre a inevitabilidade do real (que impedem qualquer mudança)...

A meio da campanha presidencial, o ‘candidato’ Cavaco presume já ter a eleição ganha, não obstante o confronto da vida real que o persegue. Em contrapartida, Alegre aparece cada vez mais convicto da força daquela mensagem final do filme, de que ‘vale sempre a pena tentar lutar’. Para mudar – ou talvez só agitar – este estado de coisas.
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