quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

As falsas evidências do senso comum: equívocos ou imposturas? – I

Os equívocos

O actual contexto político, pródigo em incertezas, grande desorientação, muita desilusão e não menor insatisfação, é propício também e talvez por isso, à aceitação fácil das falsas evidências com que os poderes instituídos contam para o eficaz controle dos seus subordinados. Apresentadas sob a forma de raciocínios simplistas e enraizadas na opinião pública por pressão constante dos ‘fazedores de opinião’, fazem parte do esquema mental que nos pretendem incutir de não haver alternativa social às ‘inevitáveis’ soluções do mercado. Tudo é feito, pois, em nome do mercado.

São sobretudo dois os equívocos que vêm pautando o quotidiano das ideias feitas e que mais importa desmontar, até porque deles invariavelmente se extraem consequências ou assentam medidas cuja necessidade se pretende justificar (quando não mesmo impor) como evidências naturais e inevitáveis:

O primeiro pretende que tudo o que acontece de mau no país é da responsabilidade do Governo e, por extensão, do Estado. Isso significaria então que bastaria uma simples mudança do Governo para que tudo mude ou, pelo menos, melhore.

O segundo diz respeito à origem da desgraça: tudo, afinal, se resume às atávicas diferenças de produtividade com os nossos concorrentes ou parceiros. Logo, conclui-se, o que importa é desvalorizar o trabalho tanto quanto for necessário para nos podermos equiparar (ou pelo menos aproximar) aos nossos mais directos competidores.

Cada um destes pontos carece de um pequeno comentário mais.
O papel que o Estado deve desempenhar nas sociedades modernas é, por agora, tema dominante e referência obrigatória nas análises efectuadas sobre as múltiplas questões sociais, ainda que pairando as mais das vezes de forma apenas subliminar, o que demonstra a universalidade da sua pertinência. Invocado seja para se evidenciar a sua necessidade imperiosa ou a sua dimensão desmesurada, para acentuar a imprescindível função regulatória de que se não prescinde (embora em graus diversos) ou a sua asfixiante omnipresença na vida das pessoas. Isso deve-se, antes de mais, ao crescente peso que tem vindo a ganhar sobretudo desde que lhe foram atribuídas as funções sociais, antes reservadas ao estrito âmbito da assistência meramente caritativa (logo, facultativa).

Não admira, pois, que quando se trata de encontrar explicação para o descalabro actual os olhos se virem, invariavelmente, para os responsáveis governamentais tidos, em última análise, como os caucionadores, quando não mesmo os fautores, de todas as desgraças que acontecem. Não deixa de haver algum fundamento nesta simplificação, pois que se firma na perspectiva, afinal bem razoável, de que as escolhas políticas deveriam ter capacidade para impor os seus pontos de vista sobre as restantes componentes da vida, na ilusão de que aos cidadãos-eleitores, através dos seus eleitos, caberia orientar e controlar politicamente os diferentes aspectos sociais, incluindo a economia. Mas não é assim que acontece, como se sabe.

O que a realidade comprova é que a rotatividade dos partidos do centro – PS/PSD (com ou sem o pendura do costume, o CDS) – a que esta democracia nos parece haver condenado, tem-se resumido a gerir, de forma mais ou menos (in)competente e com menos ou mais corrupção, as funções de um Estado cativo de um sistema económico que tudo comanda e que efectivamente governa. Com efeito são os ‘mercados’, mais que quaisquer políticas ou tendências ideológicas, que ditam as soluções a adoptar e as medidas a tomar. Que definem as regras e traçam os limites, que concedem as benesses de uma expansão económica ou impõem os danos das restrições financeiras. Em suma, que elegem os beneficiados e designam os punidos.

Afinal a única verdadeira vantagem desta desengonçada alcatruz reside apenas na periódica substituição da plêiade de serventuários e demais agentes do Estado – vantagem que, nas actuais circunstâncias, está longe de poder ser menosprezada.

(...)

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