sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Fogos de Verão

Todos os anos, por esta altura, acontece invariavelmente o mesmo. Os fogos de Verão espalham-se, como praga incontrolável, um pouco por todo o país, normalmente mais a norte que a sul, no interior sobre o litoral. A chegada do calor tornou-se sinónimo de ameaça de incêndios florestais, um sorvedouro de recursos devorados pelas chamas (e de outros tantos para as controlar), um impressionante rasto de cinzas, uma ansiedade revolta nas populações por eles atingidas. Apenas a clemência de um tempo menos quente, torna possível minimizar a dimensão da catástrofe que, de forma impiedosa, se abate, sazonalmente, sobre o território. Depois sucedem-se as explicações para a devastação provocada, procuram-se culpados para a aridez que resta. As ondas de calor propiciam ambiente favorável à deflagração dos incêndios ao mínimo rastilho, seja qual for a origem que os ateie, mas a frustração resultante da impotência perante a terra e os haveres queimados busca destinatários concretos. Na ausência de responsáveis bem à mão, a ira popular volta-se para ‘criminosos desconhecidos’ – a recorrente tese do ‘fogo posto’ (e alguns o são mesmo).

Mas o que se vislumbra por trás dos fogos florestais vai muito para além dos efeitos directos deles resultantes: recursos consumidos, apuramento de responsabilidades, incriminação de culpados, porventura até espúrias intenções de, no futuro, se proceder a um melhor reordenamento dos solos,... Na realidade esta tragédia alerta para um outro tipo de consequências, bem mais importantes que as vulgarmente objecto do sempre frenético tratamento mediático, seja no espectáculo (?) das imagens transmitidas, ou nas matraqueadas abordagens dos costumeiros ‘especialistas’.

E as que de imediato despontam são as que se prendem com as alterações climáticas. Permanecem na lembrança as imagens impressionantes do que ocorreu na Rússia (ou, doutro natureza, no Paquistão), mas nem uma catástrofe dessa dimensão parece bastante para acordar as pessoas e levá-las a interrogar-se sobre este problema. Tal como outras situações determinantes para o futuro (à cabeça, a organização social que nos (des)governa,...), ele só passará a fazer sentido quando ‘a casa vier abaixo’, quando as suas implicações se fizerem sentir ‘mesmo’, quando o prejuízo bater à porta de cada um! Pena que essas implicações não sejam sobretudo sentidas e sofridas por quem mais responsabilidades tem na sua eclosão – corre-se o risco de se chegar já demasiado tarde para o ‘remediar’!

Contudo, a maior ameaça de quantas os ‘fogos de Verão’ representam, reporta-se, simultaneamente causa e consequência, ao inexorável processo de desertificação do interior. Que vê no gradual abandono das terras por parte das suas gentes pasto privilegiado para as chamas. Que estas, por sua vez, pela destruição e desespero que semeiam, ajudam a empurrar dali para fora. À falta de actividades produtivas voltadas para a valorização dos recursos locais, segue-se o definhamento progressivo de todas as ocupações laborais e demais funções de apoio. Por norma o fecho da farmácia inicia um ciclo que se prolonga na fuga do médico, no encerramento do serviço de saúde local, na lenta agonia das poucas e débeis actividades comerciais, na transferência da escola (por razões pedagógicas atendíveis),...

Acusa-se o Estado de nada fazer para contrariar este processo e se alguma razão assiste a esta crítica ela reside não tanto na ausência das reclamadas ‘acções de revitalização’ (?) – sorvedouro inútil de recursos públicos, que apenas aproveitam à costumeira clique – mas, acima de tudo, numa tão absurda quanto ineficaz centralização do poder político. Porque a única acção passível de alterar este estado de coisas consiste na criação de condições para as populações locais poderem desenvolver as iniciativas melhor adaptadas a cada situação, de decidirem dos seus próprios destinos sem dependências burocráticas do poder central, num processo que exige, antes de mais, descentralização.

Eis, pois, o ponto nevrálgico: descentralizar responsabilidades torna-se a via mais eficaz e económica para, através de um adequado enquadramento político (normativo e financeiro), se conseguirem libertar as iniciativas capazes do melhor aproveitamento dos recursos locais – imensos e diversificados, e as mais das vezes ‘ao abandono’, apenas por falta de oportunidade – conduzindo à (re)invenção de actividades (algumas perdidas) que irão possibilitar a ocupação e a fixação das pessoas ao interior desertificado!

Responsabilização,... Descentralização,... Regionalização,... Reorganização social (proceder à redistribuição do tempo de trabalho, torna-se cada vez mais urgente!),... são estes os termos que condensam o programa político que melhor responde às preocupações e problemas actuais – ao desemprego, à desertificação, à praga dos ‘fogos de Verão’!

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