segunda-feira, 24 de maio de 2010

Modelos económicos, ausência de política

I - Equívocos e pressupostos

De forma recorrente, o tema vem à baila. De forma mais insistente agora, com a discussão do PEC (depois de revisto e muito aumentado!). A propósito das designadas ‘grandes opções económicas’ nele contidas – a opção essencial, de natureza política, é a de saber quem irá pagar a factura da crise provocada por um capitalismo desgovernado/desregulado! – invariavelmente as posições tanto do PSD como do CDS/PP, acolitadas pela do esfíngico Presidente, questionam o ‘modelo económico’ seguido pelo governo do PS. Fazem-no, contudo, desfocando o problema do essencial, resvalam para uma vertente que, no mínimo, lhe é lateral. Ao pretenderem contrapor a sua política à do Governo, procurando demonstrar que o ‘modelo económico’ proposto por este é errado, acentuam que a tónica se centra nas grandes obras públicas – e no investimento do Estado – ao invés de sê-lo nas Pequenas e Médias Empresas – e no investimento privado!!!

Havendo aqui uma aparência de verdade (essencial para tornar credível a mensagem), subsiste, contudo, uma grande confusão em tudo isto, a que a política económica do próprio governo PS (e da social-democracia em geral) não é alheia. Porque ao privilegiar os mecanismos do mercado (com mais ou menos regulação, conforme o momento assim o ‘aconselhe’ ou ‘exija’), a gestão política de uma significativa ‘carteira de obras públicas’ (destinada, em última análise, a ser satisfeita pelos privados do mercado), tem aberto historicamente a porta a relações de promiscuidade e de favores duvidosos, de que a corrupção é a sua face mais visível. Ainda que isso de modo algum seja específico deste Governo – em regra, ‘a esfera pública tende a parecer um mercado político em que se exerce a concorrência sem peias dos interesses particulares’, lê-se em recente título de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (‘A Cultura-Mundo’) – o certo é que, com o PS, é a esquerda toda que, sobretudo neste domínio específico, ‘parece’ contaminada pela sua acção!

Mas isto, apesar da sua inquestionável importância, serve apenas para desviar as atenções do essencial que deve ser analisado quando se fala em ‘modelo económico’, pela influência deste no desenvolvimento e bem-estar das sociedades. É privilegiar neste debate a forma em detrimento do conteúdo. Até porque as duas opções não são incompatíveis, muito menos excludentes. Coexistem qualquer que seja o modelo. Porque um ‘modelo económico’, base para o desenvolvimento, define-se pelas grandes linhas políticas (sempre, mesmo quando o não parece) que orientam a actividade produtiva do país, quer a nível da fixação das suas áreas e prioridades de actuação, como em termos da repartição da riqueza gerada – neste sentido, a dimensão das empresas não passa de mera estratégia ou meio para se atingirem objectivos, esses sim precisamente estabelecidos por um autêntico modelo económico!

Percebe-se a intenção da direita nesta questão, a discussão está longe de ser meramente semântica. Porque ela esconde a verdadeira razão que leva os partidos dessa ala política a desencadeá-la – sem a designarem pelo verdadeiro nome. O que está em causa é o ataque ao papel que os poderes públicos, expresso num governo político legitimado, deve desempenhar no controle e desenvolvimento da economia (essencial ao bom desempenho das funções sociais), é a desvalorização das funções económicas do Estado em benefício de uma pretensa liberdade económica dos particulares. O que se pretende, no fim de contas, é varrer a política da economia, deixando a organização desta inteiramente entregue e dependente do ‘livre jogo do mercado’, o mesmo é dizer, dos interesses privados, tidos pela ideologia liberal como mais eficientes (logo, também menos corruptos ou passíveis de o ser) na gestão económica.

Estes os pressupostos políticos que se pretendem dissimular por trás de conceitos (aparentemente) técnicos, no mínimo equívocos. A realidade social, porém, mais que todas as concepções ou polémicas, se encarregará de esclarecer e ditar os contornos do modelo económico do futuro. Mas uma coisa pode desde já adiantar-se: dificilmente o essencial desse modelo incidirá sobre a falsa opção entre ‘grandes obras públicas’ e PME’s!
(...)

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