sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Percepções e realidades: o discurso do preocupado

Agora já sei, por saber firmado, a razão de nunca ter aderido a um partido político. Finalmente compreendi esta propensão para me manter independente, não me sujeitando a qualquer disciplina partidária. Bem, compreender não é o termo mais apropriado, pois compreender já eu tinha conseguido antes, tratou-se mais de uma confirmação, uma espécie de ‘prova factual’ reflectida através de um jogo de espelhos, a ‘evidência externa’ que (me) parecia faltar.

Foi ao ouvir na ‘tvi24’ (17Fev.) a deputada Rita Rato do PCP a repetir, vezes sem conta, que se encontrava ‘preocupada’, que esta minha ‘percepção’ (palavra também muito em voga, v.g., o Moniz ex-TVI, para extrair conclusões definitivas das ‘escutas’) se tornou mais consciente (e consistente). Ainda mal tinha começado a falar e já as expressões ‘estou preocupada...’; ‘estou muito preocupada...’, ‘eu já estava preocupada, mas agora fiquei ainda mais preocupada...’(!!!), lhe saíam ritmicamente da boca de forma tão insistente – quase mecânica – que o motivo de tanta preocupação ia passando despercebido. E o que é que motivava, afinal, tamanha preocupação numa ‘miúda’ de 27 anos (acabados de fazer)? As ameaças à liberdade de expressão e informação, que o dito caso das ‘escutas’ alegadamente configurava!

Dou comigo a pensar: ainda bem que tão ‘preocupada’ rapariga (perdão, ‘Excelência’, trata-se de uma deputada da nação!) não viveu antes do 25Abril, pois com a falta de liberdades que então legalmente imperava, a preocupação tinha derivado em angústia, a angústia em obsessão e... sabe-se o que acontece às obsessões, na melhor das hipóteses acabam no psiquiatra. A avaliar pelo automatismo matraqueado das expressões de preocupação, no caso dela dificilmente na cadeia, que era o destino mais provável de então e o foi, por isso mesmo, de tantos ‘camaradas’ seus, é justo recordá-lo e tê-lo sempre presente!

E, no decurso, dou comigo a concluir que tão excessiva dramatização acaba por se tornar contraproducente, pois alerta para que alguma coisa aqui soa a falso. De um modo geral, o discurso do preocupado tem o mérito de expor o vazio do conteúdo político das mensagens que o suportam. Mas também revela o enclausuramento implícito no processo de interiorização das normas e propostas partidárias a que se subordinam, as mais das vezes de forma inconsciente, todos os que aceitam entrar nessa lógica, por vezes – eis a questão! – a despeito ou em confronto mesmo com a própria realidade.

Ora eu também tenho em casa uma ‘miúda’ muito preocupada. Quase até da mesma idade. Mas, ao contrário da jovem deputada do PCP, a sua preocupação prende-se com coisas bem mais prosaicas, aquelas coisas que, no entanto, determinam a vida das pessoas, que marcam o seu futuro, afinal uma preocupação que atinge 3 a 4 milhões de portugueses (1,2 directamente, mais os pais, cônjuges,...) – a precariedade do trabalho, os malfadados recibos verdes, o confisco dos direitos laborais,... Eu sei, uma preocupação não impede a outra, muito menos a substitui (e, já agora, também sei que, para a resolução de um tal problema, as condições de êxito, no plano meramente interno, são escassas, ela exige uma acção concertada a nível internacional).

Este será, aliás, estou certo (também aqui não pretendo ser injusto), outro motivo de grande preocupação para a deputada Rita Rato que, se confrontada com tal flagelo, seguramente reagiria com tanta ou mais veemência do que o fez neste debate, a propósito do tema que lhe coube em sorte discutir em público... em nome do partido. E é aqui que bate o ponto - porque de tal modo imbuída do espírito partidário que, arrisco a dizer, a sua maior preocupação era, muito para além da expressamente manifestada, apresentar-se em sintonia, bem ‘afinada’ com as posições assumidas pelo partido sobre o tema em análise.

Perante o deprimente espectáculo que as ‘escutas’ têm proporcionado, distraindo mais que discutindo e, o que é mais grave, desviando as atenções dos problemas que importa resolver, de uma coisa estou certo: não consigo alinhar nem com a uniformidade situacionista manifestada do lado do governo (e do PS, claro) na defesa de posições no mínimo ‘trapalhonas’ (e eivadas de suspeitosos arreganhos), nem com a uniformidade oposicionista unida num espúrio conúbio assente no propósito central - e inútil - de apearem o ‘trapalhão’ (ou ‘vilão’, ainda não se sabe).

Decididamente, manter a independência, perante esta deplorável disputa partidária centrada na dramatização mediática das sensações (preocupações, percepções,...) e alienada da realidade, ainda continua a ser a forma mais saudável de fazer política!

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