terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Da tragédia à farsa, uma história que se repete (1)

Da tragédia grega à farsa lusa

Primeiro foi o PR, na mensagem de Ano Novo, ao falar da possibilidade de o país cair numa ‘situação explosiva’. Depois, o estudo de um dos principais bancos, ‘ameaçou’ com a entrada numa ‘trajectória explosiva’. Até as declarações à saída do Palácio de Belém de ‘um-cidadão- que-pediu-para-ser-recebido-pelo-Presidente-da-República’ (foi essa a qualidade invocada por João Salgueiro!!) para lhe manifestar preocupação pelo ‘discurso cor-de-rosa’ do Governo, por contraponto com a séria ameaça do ‘exemplo’ da Grécia!!! Já antes se tinham ouvido os alertas lançados pelo Governador do Banco de Portugal. Pelo caminho, as diversas agências de notação internacional – as mesmas na origem da crise e dos avales que a precipitaram – falando de ‘morte lenta’ e ameaçando (sem aspas) rever em baixa o ‘rating’ da dívida pública portuguesa caso não sejam tomadas medidas para baixar o déficit das contas públicas – procurando, por esta via, redimir a sua própria credibilidade?

As conclusões do estudo do BPI, apresentado com pompa e circunstância pelo presidente do Banco, de que ‘a dívida pública entrará em trajectória explosiva caso não se adoptem medidas de redução da despesa pública’, resultam num exercício vistoso, mas de utilidade dúbia. Desde logo, qual o valor real de projecções efectuadas para 2040, a mais de 30 (!) anos? Será que os seus promotores terão estimado o impacto dos fenómenos e imprevistos que poderão/deverão acontecer ao longo das próximas três décadas, a avaliar tão só pelo que ocorreu nas duas que as antecederam? Qual, pois, o verdadeiro sentido de um estudo elaborado com base em dados de partida – recursos, tecnologia, ambiente, política,... – que se sabe arrastarem uma dinâmica tal que seguramente não serão os dados de chegada? E – mais importante ainda – quais as prioridades políticas por trás dos déficits que conduziram a este nível da dívida?

Feitas as contas, não pode excluir-se que este tipo de exercícios, sob a diáfana capa da sempre conveniente ‘neutralidade empresarial’ ou técnica, prossiga propósitos políticos (partidários mesmo, afinal tudo é político!). Semelhantes ao que motivou aquele conjunto de empresários promotores do estudo sobre o aeroporto de Lisboa, que levou à sua transferência da Ota para Alcochete (opção no mínimo discutível – pelo menos na perspectiva de João Cravinho e outros, baseados em critérios de ordenamento do território – mas não vou por aí, por mim basta que ‘ele’ saia de Lisboa, por razões ambientais e de segurança!). Alguém acredita que o fizeram ‘apenas’ por nobres razões altruístas ou filantrópicas? Ou, dito de outro modo, alguém pode garantir que o interesse público ficou assim melhor defendido?

No mesmo tom surge agora este estudo numa altura em que a grande opção a tomar na área económica, com implicações imediatas no OE/2010, parece centrar-se nas ‘grandes obras públicas’: aeroporto, TGV, auto-estradas,... Estes são, aliás, os únicos factos relevantes, a concretizar no futuro, introduzidos no modelo estatístico que serviu de base ao estudo e donde se retiram as conclusões que corroboram a visão catastrofista do PR na sua mensagem de Ano Novo. Não será, pois, abusivo concluir-se vir reforçar a oposição (PR incluído) às ditas obras públicas. Pelo efeito, dizem, de agravamento do já muito elevado nível de endividamento do País que os investimentos para tal necessários irão provocar, sem evidência clara de se tratar de obras com retorno seguro dos financiamentos envolvidos. Tanto mais que, rematam, aí mesmo à porta, o exemplo da Grécia, na eminência de um ‘blackout’ financeiro internacional, precisamente pelos níveis insustentáveis da sua dívida!

É certo que a dívida pública consolidada (contando com a das empresas públicas) atingiu níveis elevados e preocupantes (não são só os PR que podem usar a palavra!) e, portanto, estas tomadas de posição deveriam considerar-se um aviso no sentido de alguma prudência na despesa (incluindo a de se avaliarem bem os benefícios das ditas ‘grandes obras públicas’). Que não haja ilusões, porém: estes avisos têm sobretudo como finalidade justificar e preparar o ‘consenso’ nos partidos do centro para a adopção de medidas (de imediato no OE/10) que, de acordo com os parâmetros da ‘normalidade’ imposta pela ortodoxia neoliberal, visem a contenção da despesa pública (e o consequente desagravamento da dívida). O que, neste enquadramento político, significa maior agravamento das condições de vida das pessoas (seja por via das restrições nas prestações directas do Estado, seja indirectamente através da degradação das prestações sociais). A surpresa de Fernando Ulrich aos reparos de Sócrates às conclusões deste estudo é, deste ponto de vista, por demais elucidativa...

(...)

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