segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Ano Novo, velhas utopias (2)

A utopia conservadora contra o progresso

Por estes dias, porém, a utopia que mais se tem imposto ao País é a utopia conservadora, a que tudo aposta na manutenção, ‘a ferro e fogo’, da ‘moral e dos bons costumes’ como única via para a felicidade do homem. Porque para os seus prosélitos, não basta a defesa racional dos seus pontos de vista, exige-se a sua imposição aos ‘infiéis’ (pelo recurso aos meios condizentes com cada época – desde a tortura e até a guerra,... ao referendo). Por eles ainda hoje existiriam escravos, a inquisição, a mulher arredada do voto e subordinada ao ‘chefe de família’, a exclusão dos católicos ao divórcio civil, a penalização do aborto, a superioridade do ‘homem branco’,... Porque todas estas causas foram, nos seus respectivos tempos e diversificados lugares, objecto de furiosas campanhas idênticas às que, hoje, são desencadeadas contra o ‘casamento entre pessoas do mesmo género’.

O derradeiro argumento ouvido da boca da arvorada promotora destas ‘causas’ (na questão do aborto, agora no casamento homossexual,...), é que deve auscultar-se a opinião das pessoas sobre este assunto através de referendo, enquanto expressão da democracia participativa (!!), uma vez que – pasme-se! – a democracia representativa mostra-se esgotada (!!!). De uma assentada pugna-se pela ‘moral e os bons costumes’, esgrimindo no próprio campo da esquerda política (avessa, por natureza, ao reaccionarismo de tais causas) conceitos que lhe são caros.

A caricatura com que a D. Isilda Pegado não tem pejo de tratar a ‘democracia participativa’, recorrendo ao reducionismo canhestro da sua equivalência à consulta referendária de âmbito nacional (distante, por exemplo, das consultas locais sobre assuntos concretos de interesse para as populações), junta-se assim à estratégia oportunista de apostar num referendo por sabê-lo ganho à partida, devido ao peso do apoio explícito das ‘igrejas’ – ademais, sobre a manutenção de discriminações em direitos fundamentais de minorias sociológicas. Ora, num país que se afirma de coração católico (por tradição e mentalidade), mesmo que de alma pouco praticante... O ‘pormenor’ de não vir a ser vinculativo, por não atingir quase de certo os 50% de votantes exigidos, pouco afectaria a estratégia.

A luta pela urgente transformação social – também ela, de algum modo, uma utopia em permanente ‘actualização’ – passa, e muito, pela queda de todas as formas de discriminação, mesmo a que se acoita no sacrossanto e inviolável castelo da ‘moral e dos bons costumes’. Por isso também a de mais difícil trato, porque envolve entranhados preconceitos e sedimentadas falsas verdades absolutas. Tarefa sempre inacabada, como ainda agora se provou: a lei agora aprovada no Parlamento sobre o casamento entre pessoas do mesmo género, exclui, para já, o direito a adoptar pelos casais assim constituídos. Idiossincrasias (ou fragilidades?) de uma democracia com dificuldade em se afirmar plenamente?

Ainda assim, o passo dado demonstra-se determinante no objectivo de acrescentar um pouco mais de felicidade a uns poucos – sem precisar de beliscar a de mais ninguém. Trata-se, afinal, da primeira e mais universal utopia do Homem, a que atravessa toda a sua História! Porque é a felicidade, no fim de contas, através do grau de satisfação global e geral conseguido (global na abrangência dos aspectos, geral pela inclusão do maior número de elementos), que marca e caracteriza o progresso das sociedades.

Tarefa sempre inacabada, repito, mas indispensável para se prepararem as condições, mentais e materiais, com que se constrói a dinâmica do Progresso.

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