Incertezas, insatisfação, oportunidades...Apesar das tentativas oficiais pretenderem fazer crer que o pior da crise já passou, verdadeiramente ninguém parece fazer fé em tanto optimismo, tenha ou não já sido afectado, directa ou indirectamente, por ela – e não, não fica a dever-se ao descrédito das fontes! Tudo, afinal, se resume à dura e crua realidade. À realidade sentida, percebida ou até mesmo só intuída pela esmagadora maioria das pessoas. Em Portugal, seguramente (afinal o mal já vem de longe e a instalada anemia parece não ter cura), mas também um pouco por todo o Mundo!
Longe estão de se encontrar assegurados, sequer delineados ou em vias de o ser, os prometidos mecanismos de regulação e outros (quando no auge do perigo se temia o pior, e o pior era mesmo a derrocada do sistema!), destinados não só a resolver a crise, como sobretudo a evitar a sua repetição. Certo, os mesmos desejos, os mesmos propósitos haviam já sido formulados – e tentados – em ocasiões anteriores, sempre com os mesmos pífios resultados. Expressivos apenas na insatisfação, no desespero, no medo, na humilhação a que se reduz a incerteza e a crescente sensação de vidas permanentemente adiadas, sem perspectivas de qualquer futuro.
À tese dos que consideram e insistem (eles lá saberão porquê) que isso resultou sobretudo devido à ganância, perfídia,
desvios de carácter ou quaisquer outros desvarios dos detentores do poder, económico e político, tenho vindo a contrapor a de que, não descurando tais aspectos, circunstancialmente importantes, o essencial se deve procurar antes no
carácter predador do próprio sistema, cuja lógica de funcionamento, baseada na expansão contínua, ameaça arrastar tudo e todos na sua derrocada. De tal modo que a grande preocupação (ou esperança, conforme a perspectiva), porventura a única, que por estes tempos todos apregoam como forma de se ultrapassar a crise e devolver os empregos perdidos, reside na miragem do ‘
crescimento económico’, tido como indispensável para inverter uma situação em contínua degradação.
Também por estes dias decorre em
Copenhaga, promovida pela ONU, a
Conferência das Alterações Climáticas, a 15ª tentativa de se encontrar uma fórmula, vertida num compromisso à escala global, que permita contrariar ou mesmo evitar as consequências nefastas, potencialmente catastróficas, que o rápido aquecimento do planeta provocado pelo efeito de estufa – em
resultado da acção do homem, já não há volta a dar-lhe! – irá desencadear sobre toda a vida na Terra. Aparentemente, pois, os objectivos do que se discute em Copenhaga conflituam com os da tradicional via de desenvolvimento, uma vez que tem sido
‘este’ (dito imprescindível) crescimento económico, movido e dominado pelo motor da expansão capitalista, o principal responsável pela difícil, e porventura já irreversível, situação geoambiental (não é só climática) em que o Mundo actualmente se encontra.
Os mais optimistas parecem depositar uma fé inabalável numa ilimitada (!) capacidade tecnológica para a inverter e impedir as catástrofes que se anunciam (e salvar o Mundo do precipício, nem que isso aconteça só no último momento!), indo até muito para além do que permitiria deduzir-se de uma pretensa neutralidade da técnica face aos interesses dominantes (o que, como se sabe, é irrealista pensar-se). Certo é que o tempo escasseia e a eficácia de uma acção oportuna cada vez se apresenta menos provável.
Ora, no clima de profunda crise económica instalado a nível global (com todo o rol de incertezas, de insatisfação, de humilhações,... de
abertura à mudança) e perante o grau de confiança permitido pelos dados que a ciência já dispõe sobre os efeitos das alterações climáticas,
uma convicção parece afirmar-se:
nunca como agora se reuniram condições tão favoráveis à denúncia dos responsáveis por este estado de coisas e à consequente desmontagem dos mecanismos sociais que o propiciaram (incluindo o perverso desaproveitamento da capacidade científica e técnica – perverso até na perspectiva do próprio sistema!).
Resta então saber, para além dos discursos e dos compromissos oficiais, até onde irá ser possível aproveitar-se esta oportunidade para se
repensar o funcionamento do nosso actual modo de vida e se tentar esboçar um novo modelo de organização social; até onde nos será permitido contestar algumas verdades tidas como absolutas e resgatar-se o sopro de esperança num outro futuro, num futuro alternativo ao que nos querem impor!
Utópico? Talvez, mas... que futuro sem utopia?