quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Equívoco ou paradoxo: aumentar o consumo para sair da crise? Qual crise?

Consigo compreender a insistência com que a generalidade dos comentadores e partidos da esquerda vêm procurando demonstrar a necessidade de reforçar a procura interna como forma mais viável (ou mesmo a única) para, no imediato, se relançar a economia, se acabar com o flagelo do desemprego, enfim, se sair da crise – com isso apostando e propondo medidas que propiciam o aumento mais rápido do consumo, o que contribui para o inevitável agravamento das precárias condições materiais que sustentam a economia global actual e, consequentemente, a queda, a prazo, em novas crises cada vez mais profundas.

De tal modo que começa a ser difícil de aceitar e até compreender, então, que os mesmos comentadores e partidos de esquerda não se disponham a fazer a pedagogia do devido enquadramento destas opções, dedicando, ao menos, uma palavra de alerta para a questão da insuportável pressão sobre os recursos (e do seu inevitável esgotamento) a que tal solução, se prolongada no tempo, inevitavelmente conduz para, logo que estabilizada a economia e a crise ultrapassada, seja possível enveredar por outros rumos mais sustentáveis que os até agora percorridos – que, a manterem-se, colocam em risco o próprio futuro ‘desta’ civilização.

Torna-se sobretudo incompreensível que as soluções propostas para se ultrapassar a crise, insistam no mesmo tipo de medidas que a ela conduziram (à estafada solução liberal da procura externa, via exportações, sobrepõe-se agora a solução keynesiana da procura interna), acabando por se confundir, afinal, com as causas profundas que a produziram: na sua raiz, o (incontestado?) paradigma produtivista/consumista, que ameaça descambar num beco sem saída, precisamente por falta de recursos (que não, dizem os optimistas inveterados, crentes nas capacidades ilimitadas da ciência para nos tirar do aperto!). Todos parecem muito preocupados em repor os ‘mecanismos normais’ (!) da economia, ignorando as repetidas ameaças de várias rupturas – de que a financeira foi apenas a expressão mais visível – e cujos afloramentos estruturais principais se detectam a nível da escassez do emprego e dos recursos.

Não os recursos entendidos na acepção manhosa do calculista Pina Moura, para quem o mais importante se centra, agora e sempre, na obsessiva preocupação liberal pelo déficit das contas públicas. Ou mais propriamente, pelo Estado mínimo, que a tanto se reduz o objectivo, dele e de quantos o acompanham, por trás de tal obsessão: o tão propalado equilíbrio é para obter à custa, como de costume, da componente laboral do investimento, ou seja, da desvalorização do trabalho – não obstante todas as afirmações em contrário. Elucidativo o percurso deste personagem – da militância no mais puro e duro estatismo, ao deslumbramento serôdio por um liberalismo cediço – cumprindo, pois e com assinalável sucesso, diga-se, o caminho habitual do arrivista político!

E tudo então parece resumir-se em saber (esperemos que não da maneira mais dolorosa) se aquela aparente contradição se pode reduzir apenas a mais um momentâneo paradoxo, daqueles que a ‘ciência económica’ assim identifica e pretende explicar (produtividade, poupança,...) – e se propõe resolver oportunamente: pelo recurso ao há muito esgotado 'reforço das procuras' ?; ou se, pelo contrário, ‘ciência’ e ‘cientistas’ não estarão a laborar num perigoso equívoco – cujos efeitos todos nós, mais cedo ou mais tarde, viremos a sentir. Ou a sofrer.

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